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RACISMO

'Racismo não é acidente de percurso', explicam estudiosos nesse Dia da Consciência Negra

Publicado em: 20/11/2021 10:00 | Atualizado em: 20/11/2021 09:55

Pesquisadora da Educação das Relações Étnico-Raciais da Universidade Federal de Pernambuco, Conceição Reis (Foto: Bernardo Sampaio/Divulgação)
Pesquisadora da Educação das Relações Étnico-Raciais da Universidade Federal de Pernambuco, Conceição Reis (Foto: Bernardo Sampaio/Divulgação)
Em todo o Brasil, a brancura da pele é um símbolo distintivo que assegura várias vantagens. Num país onde vigora uma competição supostamente meritocrática, ser branco garante privilégios invariáveis, representados por um monopólio de origem europeia, mesmo depois de 133 anos do fim da escravidão institucionalizada. Como as diferenças entre negros e brancos estão escancaradas em todos os níveis sociais, o Dia da Consciência Negra, neste sábado (20), é mais um marco da mobilização de movimentos sociais que objetivam refletir sobre a inserção dos povos negros na sociedade. De acordo com estimativas da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua Trimestral, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referente ao 1º trimestre de 2020, cerca 62,3% da população pernambucana se considera parda e 6,7% preta, compondo o grupo dos negros, enquanto 30,1% da população se autodeclara branca.

%u201CÉ preciso compreender que o racismo não foi acidente de percurso, mas foi um projeto político que o Estado brasileiro desenhou quando, por exemplo, adotou a escravidão, quando largou a população negra à própria sorte, quando proibia as pessoas negras de frequentar escolas%u201D, explica a pesquisadora da Educação das Relações Étnico-Raciais da Universidade Federal de Pernambuco, Conceição Reis.

Para ela, a questão vexatória persiste porque o Estado brasileiro nega a existência do racismo quando não investe em políticas públicas de combate. %u201CAs escolas, as faculdades e universidades, por exemplo, ainda não conseguem implementar a Lei nº 10.639/2003, que institui a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas%u201D, reflete a professora, que coordena o Núcleo de Políticas de Educação das Relações Étnico-Raciais da UFPE.

A prática nas salas de aulas e universidades ainda parece distante. Na avaliação da professora Fátima Oliveira Batista, vinculada à Prefeitura do Recife e a Secretaria Estadual de Educação, que está à disposição da Universidade de Pernambuco (UPE), a educação das relações étnico-raciais é importante no combate ao racismo.

%u201CO despertar vem da Educação Infantil até o Ensino Superior, pois o racismo tira, da pessoa que sofre, a dignidade humana. Ele negligencia o outro enquanto ser humano. Então, temos que trazer desde a educação infantil, através da literatura, e das conversas com as famílias. Temos que levar para as escolas, públicas e privadas, a discussão para desconstruir a falsa ideia de superioridade de um grupo em detrimento de outro. Negros e não-negros, todos são de pertenças diferentes e nenhuma é melhor que a outra%u201D.

Professora Fátima Oliveira Batista (Foto: Arquivo Pessoal)
Professora Fátima Oliveira Batista (Foto: Arquivo Pessoal)


As marcas desse sistema são visíveis em todos os níveis da sociedade brasileira. Os dados da PNAD Contínua 2019 apontam para os jovens de 15 a 29 anos em Pernambuco a respeito da condição de estudo (se estão estudando ou não) e a situação na ocupação (se estão ocupados ou não). Com relação a cor ou raça, 11,4% das pessoas brancas de 15 a 29 anos trabalhavam e estudavam, percentual maior do que entre as pessoas de cor preta ou parda (8,9%). Além disso, o percentual de pessoas pretas ou pardas que não estudavam e nem trabalhavam (31,6%) superou o de brancos (25,8%).

Na educação, os dados da PNAD, também indicam que as pessoas brancas tiveram indicadores educacionais melhores que os das pessoas pretas ou pardas, com 9,7 anos de estudo para as pessoas brancas de 25 anos ou mais e 8,1 anos para as pessoas pretas ou pardas da mesma faixa de idade.

No recorte por cor ou raça, tanto em 2019 quanto no ano anterior, 9% das pessoas de 15 anos ou mais de cor branca eram analfabetas, percentual que se eleva para 13,3% entre pretos ou pardos. No grupo etário de 60 anos ou mais, a taxa de analfabetismo dos brancos alcança 24% e, entre as pessoas pretas ou pardas, amplia-se para 37,3%.

Como forma de reverter o quadro de desigualdade racial, a professora Fátima Oliveira, que leciona uma disciplina sobre o tema na UPE, explica que historicamente houve um processo de apagamento das histórias negras, e que é preciso mudar a situação.

%u201CA história que contavam para a gente coloca a representação negra atuando de maneira passiva ao processo de escravidão, tantos os negros quanto os indígenas. Quando foi escrita, a história não trouxe a organização, o movimento de resistência do povo afro-brasileiro e africano. Nos livros da época da minha geração, só traziam a representação negra na senzala, algemados, sendo agredidos. Então, as pessoas da minha geração só tem essa imagem. E isso foi se tornando %u2018natural%u2019%u201D, pontua.

A pesquisadora Conceição Reis da UFPE complementa ressaltando que as políticas de reparação das desigualdades raciais tiveram grandes avanços no início dos anos 2000, mas estagnaram a partir da segunda metade da década passada.

%u201CDesenvolver consciência étnico-racial e políticas afirmativas significa cuidar de forma qualitativamente melhor da maioria da população a partir das suas necessidades, oferecendo oportunidades para que essas pessoas possam ascender socioeconomicamente, ter autoestima, autoconfiança e consequentemente uma qualidade de vida melhor%u201D.

A representante do Movimento Negro Unificado (MNU) em Pernambuco, Marta Almeida, considera que a luta atual dos movimentos sociais consiste na resistência contra o negacionismo e na preservação do legado.

%u201CPrecisamos ter governos e parlamentares que efetivem ações contra o racismo institucional. Precisamos atacar a pobreza, a fome e a miséria de nosso povo. Inclusive para compreender que não há avanço sem enfrentamento ao racismo e suas mazelas%u201D, finaliza.
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