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VIOLÊNCIA

Acusada de sequestrar a filha, pernambucana diz que relacionamento com italiano era abusivo

Publicado em: 16/04/2021 17:57 | Atualizado em: 16/04/2021 18:53

 (Foto: Reprodução/Redes Sociais )
Foto: Reprodução/Redes Sociais

Ladjane Rosa, de 43 anos, conviveu com o seu ex-companheiro, Claudio Bosio, durante uma década. A história, iniciada em 2011 por meio de um aplicativo de relacionamento, foi marcada por desentendimentos, discussões, ameaças, violência psicológica e física. A trajetória da pernambucana com o italiano culminou em uma disputa judicial pela proteção da mãe e guarda da filha. Em 2019, a brasileira voltou para o país de origem com a criança em busca de proteção, e trava uma batalha para se defender das acusações feitas pelo pai de sequestro internacional da menor. 

No início do relacionamento, Ladjane relata que o convívio com o italiano era instável, com brigas constantes. Muitas das discussões eram ocasionadas porque a pernambucana não concordava com a opinião de Bosio.

“Meu relacionamento com ele era cheio de altos e baixos. Brigávamos a cada dois meses. Nunca estávamos em paz realmente. Ele costumava dizer que a culpa era minha, caso tudo terminasse. Mesmo negando internamente, eu pensava: ‘Então tá, eu vou baixar a cabeça e vou pedir desculpa por uma coisa que eu não acho que fiz de errado”, explicou a brasileira.

Durante a primeira viagem do casal para o país europeu, a mulher relembrou uma briga, ocasionada pelo uso de um termo empregado frequentemente no Nordeste e que não foi aceito por Claudio.

“Eu utilizei uma palavra que a gente fala muito aqui no Nordeste e Claudio achou que estava faltando respeito com ele e eu expliquei que era a forma que a gente falava. Pedi desculpa por ter dito a palavra e ele continuava gritando”. Claudio respondeu: “Se você não sabe usar o português corretamente é porque você é ignorante”.
 
As humilhações também passaram a ser relacionadas com a condição financeira de Ladjane no país estrangeiro. Impedida de trabalhar por Bosio, ela era questionada quando manifestava interesse em conquistar a própria renda. No Recife, Ladjane -conhecida na alta sociedade como Preta Rosa- trabalhou como modelo, recepcionista do falido clube noturno Nox, além de agências de publicidade.

“Era sempre passado na cara que a casa era dele, que o dinheiro era dele. Eu não era nada, me sentia como inconveniente, como se estivesse invadindo um espaço. Quando eu falava que queria trabalhar, ele dizia que não precisava. Certa vez, Claudio me perguntou se eu tinha ido para Itália para trabalhar ou para ficar com ele”, relembra.

A história se agravou quando Ladjane se mudou de vez para a província de Bréscia, na região da Lombardia, próxima à cidade de Milão. Lá, como lembra a pernambucana, os desentendimentos se tornaram mais frequentes.

“Eu fui morar na itália e as brigas, aos poucos, foram aumentando. Até que um dia eu fui expulsa de casa, no outro ele pediu para que eu voltasse, depois ele me ofendeu.  [Claudio] Falava que a ofensa era utilizada para educar pessoas 'já que os meus pais não me deram educação’”. 

Violência física e psicológica
As agressões físicas iniciaram com um puxão de cabelo. Depois um empurrão. Em seguida, as imobilizações. Além do uso da força, Bosio usava também a violência psicológica, rememorou Preta. “Claudio não via isso como agressão e me chamava de louca, paranóica. Dizia que não podia tocar um dedo em mim que eu considerava agressão. Ele me fazia acreditar que eu tinha provocado aquelas reações nele”, afirma.

A pernambucana não tinha amigos e nem família no país ocidental. As poucas pessoas com quem teve contato faziam parte do ciclo de amizade do ex-companheiro. “[Os amigos de Claudio] me conheciam como a estrangeira que estava com o italiano, ninguém me procurava para saber como que eu estava. Eu só divulguei o que tinha acontecido comigo no meu último suspiro. Eu sempre fui muito reservada”. 

“Ele falou que só continuaria em um relacionamento comigo se eu fosse diagnosticada com alguma doença”

Ladjane contou que em 2016, antes do casal interromper o relacionamento, foi obrigada pelo italiano a receber um diagnóstico de transtorno para que, assim, pudessem continuar juntos.

“Eu fui obrigada a procurar uma psicoterapeuta porque Claudio falou que só continuaria em um relacionamento comigo se eu fosse diagnosticada com alguma doença. Caso eu não tivesse nada é porque eu era ruim, mal educada e não valia a pena continuar uma conversa comigo. Ele me obrigava a receber um laudo”.

Ainda em 2016, a brasileira e o italiano  passaram seis meses separados. Durante o período, Ladjane revelou que Bosoni a procurava e pedia para reatar o namoro. 

“A gente passou seis meses separados, mas mesmo nesse período ele continuou me vendo. Me procurava, pedia para eu dormir com ele na sua casa ou então ele vinha no meu apartamento. Depois a gente voltou e  passamos o ano de 2017 juntos. Nesse período, uma amiga minha ficou hospedada na minha casa durante dois meses e ele me perguntava o tempo todo quando ela ia embora”. 

Ameaças
No final de setembro de 2017, as agressões físicas se agravaram. De acordo com a brasileira, após uma discussão, Claudio puxou Ladjane pela garganta, levantando-a do chão. A filha mais velha do italiano teria presenciado a cena.

“No final de setembro de 2017, tivemos uma discussão e eu nem lembro o motivo. Nós acabamos aumentando a voz e ele me puxou pela garganta, me empurrou contra a parede segurando o meu pescoço e querendo me levantar, enquanto isso ele me mandava calar a boca.  Foi quando a filha [de Claudio], na época com cinco anos, pediu que ele parasse. Daí ele me soltou e me mandou sair de casa”.  

Preta também contou que, no momento em que buscava os seus pertences para ir embora da residência, Bosi puxou Ladjane novamente e continuou com as agressões, que só chegariam ao fim naquele dia a pedido da filha.

“No momento em que eu fui pegar a minha bolsa para ir embora ele me puxou, me jogou no chão, montou em mim e me mobilizou. A filha dele voltou a pedir para que eu fosse solta e ele continuou tentando me mobilizar. Ela continuava gritando. E aí ele me falou: ‘agradeça a ela por eu não ter acabado com você agora. A menina presenciou várias discussões nossas, inclusive agressões’”.

Ladjane relata que não era fácil entender a situação e que, ao contrário do Brasil, na Itália não havia campanhas frequentes que falassem sobre violência contra a mulher.

“Em janeiro de 2018 ele partiu para o tapa e eu falei: Claudio, isso é agressão. E aí ele disse: ‘não, agressão é quando a gente bate com a mão fechada’. Era complicado para mim ver isso porque na Itália acontece muito dos homens matarem as mulheres, independente do grau de parentesco, mas lá não é um aconselhamento didático [do que se caracteriza como agressão], como acontece aqui. Na Itália eles estão começando a falar sobre isso agora. Então eu acreditei nele [Claudio] novamente”. 

De acordo com o Istituto Nazionale Di Statistica (Istat), durante os anos de 2017 a 2019, 16.140 das 19.166 mulheres foram atendidas pelo pronto-socorro com indicações de violência. Ainda segundo a pesquisa, o número de agressões contra as mulheres na faixa etária de 18 a 44 anos é maior que 6. Isso significa que uma mulher, que sofreu violência nos últimos três anos, retorna em média 5 a 6 vezes ao pronto-socorro.

Ainda segundo o Istituto, dois em cada três acessos ao serviço médico ocorrem porque a mulher recorre ao pronto-socorro por iniciativa própria. Já um em cada quatro casos precisam da intervenção do 118*. Considerando a forma como o trauma foi causado, em mais de 70% dos acessos ao sistema de saúde italiano o motivo foi  provocado por uma agressão. 74,3% dos atendimentos acontecem no grupo de mulheres com idade de 25 a 34 anos.

Gravidez
Em fevereiro de 2018, a Ladjane relembrou outro conflito com o italiano. Ela estava grávida, mas ainda não sabia.

"Em mais uma discussão, aumentamos o tom da voz e ele me deu dois tapas no rosto, falando que se eu reagisse ele iria continuar me batendo. Corri para o quarto e ele me encurralou em um canto. Quando vi que não tinha mais para onde ir e que  ele não iria parar de me bater, eu parei de reagir e pedi pelo amor de Deus para ele não me tocar. Eu descobri que estava grávida cerca de dez a quinze dias depois disso”.

A descoberta da gravidez intensificou as violências psicológicas e físicas. A brasileira conta que escondeu a gestação porque sabia que seria indesejada por Bosio.

“Eu escondi a minha gravidez porque eu sabia que ele tinha se separado da antiga companheira pelo mesmo motivo. Inclusive, [Claudio] me disse que a filha mais velha, quando passa o período de 15 dias com ele, atrapalha suas viagens e festas, e que por isso ele não queria ter filho comigo”.

“Meu filho não é uma escolha, é um fato”
Ladjane relembra que ao contar para Claudio sobre a gravidez, o ex-companheiro quis que a gestação fosse interrompida. A brasileira revelou que Bosio a acusava de traição.  

“Fui obrigada a fazer teste de DNA. Ele começou a me acusar de traição, dizia que era impossível que eu, na época com 40 anos, engravidasse. Quando o resultado saiu, confirmando que ele era o pai, eu fui levada para um apartamento. Quando as pessoas desconfiaram da nossa separação ele disse que eu tinha feito uma coisa muito grave, que tinha enganado ele e que em breve as pessoas teriam a prova disso”.

Após a confirmação da paternidade, a pernambucana confessou que foi submetida ao teste do polígrafo [‘teste da verdade’]. Os detetives -como Ladjane se refere aos profissionais- afirmaram que o teste não deveria ser feito enquanto ela estivesse grávida porque poderia apresentar alterações nos resultados.

“Me disseram que, como mulher grávida, eu não podia fazer o teste porque poderia interferir no resultado. Os detetives explicaram que [a máquina] podia captar os batimentos cardíacos do bebê e não só o meu, além de me causar desconforto. Então, Cláudio pagou os detetives e mais uma vez eu provei que estava falando a verdade”.

No sétimo mês gestacional, Preta confessou que após uma briga -seguida de agressão- foi sufocada e imobilizada enquanto tentava ir embora da residência em que viviam.

“Após uma discussão, eu peguei a minha bolsa para ir embora. Quando eu entrei no quarto em que a filha dele estava dormindo, ele trancou a porta e impediu a minha passagem. Me virei para tentar sair novamente , foi quando ele usou a mão direita para tapar a minha boca e nariz impedindo que eu respirasse. Com a mão esquerda, ele me mobilizou. Eu me debati tentando avisar que não conseguia respirar. Eu não conseguia falar. Caí no chão e ele estava me segurando com força. Eu comecei a arranhar o rosto dele. Nesse período eu estava grávida de sete meses”.

Casa da Montanha
Dois meses após o nascimento da criança, em novembro de 2018,  Ladjane voltou para o Brasil com a permissão de Claudio, sob um acordo de três meses para decidir se ficaria de vez ou retornaria para a Itália. Pouco mais de um mês em casa, Ladjane teve que voltar para o país europeu onde determinaria a sua permanência no Brasil.  A decisão, segundo o relato da pernambucana, não foi aceita pelo italiano. 

“O combinado era que, depois de três meses, eu voltaria para que a gente pudesse conversar, mas eu avisei que estava certa de que queria voltar para a minha casa daqui de vez. No dia 8 de fevereiro de 2019, véspera da minha viagem de volta para a Itália, eu tive crise de pânico, vomitei, chorei”.
 
No dia nove de fevereiro, já em terras europeias, Claudio foi buscá-la no aeroporto. Ladjane estranhou o percurso traçado pelo ex-companheiro. Não era o caminho da casa que eles viviam.

“Eu perguntei para onde eu estava sendo levada e ele disse que tinha colocado a casa em que vivíamos para alugar. Perguntei por quanto tempo e Claudio respondeu que dependeria do meu comportamento. Comecei a sentir que estava acontecendo alguma coisa errada e pedi para parar o carro. Foi quando liguei para o irmão dele e pedi abrigo. Quando cheguei, ele [o irmão] contou que Claudio estava me levando para a casa da montanha da mãe deles, e que a residência em que morávamos não foi alugada porque aconteceria uma festa organizada pelo próprio Claudio, no dia seguinte”.

Ladjane foi recebida pelo irmão de Bosio, onde passou a noite. Durante a madrugada, Preta ligou para a tia e avisou que retornaria para o Brasil no dia seguinte. Ao encerrar a ligação, a pernambucana comprou a passagem em seu cartão de crédito e entrou em contato com uma amiga, que conseguiu um motorista para levá-la da casa em que estava até o aeroporto.

Em março de 2019, Claudio chegou a encontrar Ladjane em sua casa, onde teria ocorrido outro desentendimento. “Eu recebi ameaças. Ele foi grosso comigo e com a minha mãe. Disse que levaria a minha filha para a Itália. Foi quando eu pedi um ofício que impedia que ele retirasse a criança do Brasil. Eu já tinha entrado com um pedido de guarda”. 

 (Foto: Reprodução/Redes Sociais )
Foto: Reprodução/Redes Sociais


Acusação de sequestro e processo judicial
De acordo com a advogada de Ladjane, Daniela de Castro, a questão processual começou quando Claudio acionou a justiça brasileira, por meio da Convenção de Haia. Hoje, existe uma ação de sequestro internacional, onde Ladjane é acusada de ter retido a filha. 
 
“Realmente existe, na Convenção de Haia, ao qual a lei se aplica, que se você sai do país sem autorização do pai ou da mãe -em caso de menores de idade-, isso fica caracterizado sequestro. Só que existem as exceções, entre elas, quando ocorre violência doméstica. Além disso, deve ser analisada a adaptação da menor ao novo país”, afirmou a defesa da pernambucana.

“A gente entende que o juiz não respeitou o trâmite processual. Não houve audiência de conciliação. Pedimos a produção de prova testemunhal, que não foi deferida. O Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União também pediram audiência e o magistrado não concedeu. Antes mesmo de os advogados apresentarem as razões finais, o juiz prolatou a sentença e antecipou os seus efeitos por meio da tutela de urgência, determinando a imediata busca e apreensão da menor com o seu retorno para a Itália, o que poderia trazer prejuízos irreversíveis para a menor, de apenas dois anos”

Em 13 de abril, nova juíza da vara revogou a decisão liminar de busca e apreensão. 

“Foi um alívio, pois agora a menor poderá aguardar o julgamento do processo aqui no Brasil, ao lado da mãe, que tem sua guarda concedida pela Justiça Brasileira. Apesar da decisão, é preciso aguardar o julgamento da apelação pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região”, afirmou Daniela.

O que diz  Claudio Bosio e defesa
Por meio de comunicado, Claudio afirmou que a relação com a filha, que tem dois anos e seis meses, é maravilhosa. Bosio também afirmou que os primeiros anos de relação com Ladjane foram excelentes.

"Os primeiros anos da minha relação com a mãe foram excelentes. Eu a adorei desde o primeiro segundo que a vi. Estive presente no parto, e, desde então tenho vivido em função deste amor que sinto por ela".

O Italiano nega que foi contra o nascimento da criança e os relatos de violência contra a ex-companheira durante o período de março de 2020, quando esteve no Brasil, e disse que Ladjane o acusa sem provas.
"Nunca fui contra o nascimento da minha filha. Não sou tão jovem para desejar um futuro sem filhos. Minha ex-mulher me denunciou por violência doméstica, durante minha visita a minha pequena, aqui no Brasil, em novembro do ano passado (2020), inveridicamente, sem nenhuma prova de que isso tenha acontecido”.
Sobre o processo contra Ladjane de sequestro internacional, a defesa de Claudio Bosio afirma que a reclamação, por parte da pernambucana, tem como objetivo retardar o processo na Justiça Federal que tem por finalidade o retorno da minha filha à Itália, para que a guarda seja julgada por um tribunal italiano.
"A subtração da criança para outro país ganha vida por razões econômicas. Minha alegação está comprovada e já foi ajuizada na Justiça. A Convenção de Haia de 1980 consi Cadera que a mãe praticou Sequestro Internacional de Crianças. Quando a mãe subtraiu minha filha da Itália, para o Brasil, sem o meu consentimento, me impedindo de conviver com ela, a mãe descumpriu essa norma internacional e está sendo processada pelo próprio Estado Brasileiro, que tenta garantir o cumprimento do Tratado Internacional."
 (Foto: Reprodução/Redes Sociais)
Foto: Reprodução/Redes Sociais

O que diz a Defensoria Pública da União e Ministério Público Federal
Por meio de documentos, de acesso exclusivo da reportagem, foi possível identificar que, segundo a Defensoria Pública da União, a criança deve permanecer no Brasil enquanto o trâmite judicial estiver em andamento. Aviso: O nome da criança foi retirado das menções para a preservação de sua identidade. “Por ora, visto que a criança ainda é muito pequena, precisa e tem o direito de ser protegida, concluo que o BRASIL é um lugar seguro para a criança. É importante que ela esteja em um ambiente seguro, que esteja bem cuidada, de preferência, com alguém da sua família nuclear, que pode ser o pai ou a mãe. É importante dizer que tanto o pai CLAUDIO BOSIO tem direito à convivência com a filha tanto quanto a mãe Ladjane Rosa do Nascimento também tem direito ao convívio com a filha”. Ministério Público Federal: “Pedido Recursal Ante o exposto, requer o Ministério Público Federal: 1. O recebimento do recurso com a concessão liminar do efeito suspensivo à apelação para que a menor permaneça em território nacional, sob os cuidados da genitora, até julgamento do presente recurso; 2. seja dado provimento à presente apelação para anular a sentença ora atacada, a fim de que seja dado prosseguimento ao feito com a realização da devida instrução processual a ser retomada a partir da designação de audiência de conciliação. E. deferimento.”

 
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