Vida Urbana

Vidas interrompidas e vidas que recomeçaram

Com 11 mil mortos e 268 mil recuperados, números da pandemia trazem histórias humanas de uma sociedade que mudou para sempre

Era 12 de março de 2020, exatamente há um ano. Pernambuco assistia, atônito, a confirmação do primeiro caso da Covid-19 no estado. A notícia chegava em dose dupla, tratando-se de um casal de idosos, moradores do bairro de Boa Viagem, na Zona Sul do Recife, que após retornarem de viagem à Itália foram diagnosticados com o vírus. De lá para cá, a vida mudou por completo. A pandemia trouxe isolamento social, alteração na rotina de trabalho, estudo e relacionamentos. Muita gente respeitou a gravidade do problema e outras tantas continuaram fingindo que nada estava acontecendo. No apanhado, 365 dias depois, o quadro da doença hoje se assemelha a pior fase, em maio do ano passado. Os números apontam mais de 313 mil casos e 11,2 mil óbitos, com uma curva de aceleração que assusta. Ademais, os leitos de UTI e enfermaria beiram o colapso, com 95% da totalidade de ocupação. Entre as muitas histórias deste enredo triste, pessoas que sofreram a dor da perda de entes queridos, outros que viram a morte de perto, mas conseguiram se recuperar, enxergando assim uma nova chance. A vacina, ainda escassa e com distribuição desordenada pelo Ministério da Saúde, trouxe um fio de esperança, em contraponto às novas variantes e registros de reinfecção, que acendem um sinal vermelho para o perigo. Na avaliação de especialistas, ouvidos pelo Diario, a perspectiva para o futuro ainda é incerta. O balanço traz algumas boas notícias, mas muitos desafios que precisam ser encarados.

“Num intervalo de apenas 20 dias, assisti, impotente, a partida da minha mãe. Era uma mulher ativa, pilar da nossa família. Seu corpo saiu do hospital dentro de um caixão lacrado, direto para a cova do cemitério. Não tivemos direito a pausas, nem homenagens, nem despedidas. Ali a perdemos para um inimigo invisível”, conta o servidor público, Adriano Alves, de 36 anos, ao lembrar da morte da mãe, Maria Solange, de 58 anos, ocorrida em maio do ano passado, considerada a janela mais grave da pandemia em Pernambuco. No total, cinco pessoas da mesma casa, localizada no bairro do Caçote, na Zona Oeste da capital pernambucana, foram acometidas pelo novo coronavírus. Para Adriano, as lembranças evidenciam um mal traiçoeiro e que não distingue a forma de agir. “Só saíamos para as compras essenciais. No bairro, as notícias de gente contaminada e internada se multiplicavam, aumentando nosso medo e tensão. No entanto, os sintomas como dores no corpo, febre, tosse, falta de ar, perda de olfato e paladar, logo começaram a se espalhar com velocidade entre nós”, detalha, se referindo aos irmãos.

Conforme dados das secretarias municipais de Saúde, as três maiores cidades da Região Metropolitana, com uma população estimada em 2,7 milhões de pessoas, assinalam números preocupantes. O Recife bate a marca de 76 mil casos da covid-19 e 3,1 mil mortos. A cidade irmã, Olinda, contabiliza 14,2 mil casos e 633 mortos. Já passando para Jaboatão dos Guararapes, o quantitativo atual é de 19,5 mil casos e 1,1 mil óbitos. Para além de estatísticas, são vidas. Voltando a trajetória de Adriano, que ilustra o sofrimento de outros milhares de pernambucanos, se não bastasse a tragédia familiar, foi preciso conviver com o preconceito, agravado pela carência de empatia e falta de informação. “Aquela rede de apoio que normalmente se forma em momentos assim não pôde existir com a gente. As pessoas entendiam que não deveriam vir em minha casa, por ainda estarmos doentes. Porém, pareciam achar que erámos uma espécie de centro de contaminação do bairro. Não poderíamos ter abraços, mas faltou apoio e calor humano”, relembra, reencontrando as lágrimas e o aperto da saudade. “Tão pavoroso quanto a perda de minha mãe é ainda sentir, nos dias de hoje, a negligência das pessoas em se proteger, sem pensar na dor do outro. Essa crise ainda está bem longe de acabar”, comenta.

Ricardo ficou internado na UTI e hoje enxerga a vida diferente

Na comunidade do Alto José do Pinho, na Zona Norte da Capital, conhecida como polígono de efervescência cultural, o coronavírus também não pediu licença para entrar na casa do motorista José Ricardo da Silva, de 51 anos, logo nos primeiros meses da pandemia. “Comecei a sentir aquela fraqueza no corpo e resolvi fazer o exame. Era o começo do meu tormento”, conta o cidadão casado, pai de dois filhos, que foi internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), do Hospital Provisório Recife I, localizado na Rua da Aurora, na área central. “Acho que a pior coisa do mundo é a pessoa não conseguir respirar, a sensação é horrível, o mundo todo parece que perde o sentido”, ressalta, ao lembrar dos momentos difíceis que viveu. “Ali naquele lugar, isolado, sem contato com nenhuma das pessoas que amo, eu consegui refletir sobre o período em que achei que esta doença não era tão grave. Mas é sim. Hoje vejo tantos jovens se achando fortes, não entendem que ela não perdoa”, comenta Ricardo, se avaliando como um sobrevivente.

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