O médico infectologista Filipe Prohaska, do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, tem acompanhado, na linha de frente, as muitas faces do coronavírus. Para o especialista, Pernambuco completa um ano de enfrentamento sob um risco real de colapso. “A nossa população parece que cansou. Infelizmente diminuíram os cuidados, seja com o uso de álcool, de máscara, seja com a necessidade de evitar aglomerações. O maior exemplo disso nós assistimos com os últimos feriados, com festas regadas ao desrespeito, que culminaram com o aumento do número de casos. Foi uma escalada, a partir de novembro do ano passado, que alimentou a segunda onda que vivenciamos hoje, em março. O reflexo de atitudes erradas deram força à pandemia”, explica. Segundo ele, o panorama do cenário nacional implica diretamente no quadro sério hoje encontrado em Pernambuco. “Tivemos um grave atraso na aquisição de vacinas. Além disso, apesar do grande esforço dos nossos pesquisadores, o Brasil tem jogado a ciência às traças. Hoje não se consegue fazer a quantidade ideal de testagens, nem tampouco a identificação genética delas”, reforça.
Para Prohaska, esta deficiência tem contribuído com a falta de informação no tocante as variantes do vírus, como cepa P1, fator que tem gerado medo na população. “Nós observamos que a variante de Manaus, que se tornou a mais conhecida, precisou que turistas japoneses viessem ao Brasil e contraíssem a doença. Hoje são eles que divulgam a nossa variante e nós seguimos sem saber quantas outras estão circulando por aqui”, adverte o médico. Ao falar do futuro, ele diz enxergar um caminho ainda áspero para a população. “Vejo que 2021 será um ano muito difícil, às vezes acho que até pior que 2020. Eu estou cansado de ver as pessoas adoecendo e morrendo diante dos meus olhos e entendo que não há mais espaço para negligência, para irresponsabilidades, para o descrédito. Além da vacina, nós precisamos rever todas as nossas posturas”, arremata. O avanço vertiginoso da Covid-19 trouxe perdas irreparáveis, incluindo as baixas na geração de renda e postos de trabalho. No cenário nacional, o país entrou para a lista das três nações com os piores números da pandemia, com mais de 11,2 milhões de infectados e 273 mil mortos. No solo pernambucano, conforme acompanhamento da Fiocruz, o percentual de chances para crescimento do número de casos graves oscila entre 75% e 95%.
O ansiado quadro de melhora, que não veio, levou o estado a repetir medidas adotadas no ano anterior, com o endurecimento das restrições em todos os 184 municípios. O comércio, serviços de alimentação e lazer tiveram que fechar as portas mais cedo, além de parques, clubes e demais atividades não essenciais que não puderam operar nos fins de semana. Na recente avaliação do secretário estadual de Saúde, André Longo, os próximos 90 dias serão difíceis e decisivos. “Ainda temos muito trabalho pela frente e precisamos contar com o apoio decisivo da sociedade pernambucana para ultrapassar este novo momento de dificuldades. Serão dias difíceis e que vamos precisar de união para vencer a adversidade. Acreditamos que a vacina vai fazer a diferença”, disse, pedindo cautela ao que chamou de recrudescimento da pandemia. Segundo o gestor, Pernambuco investiu forte e vem dando resposta à altura, no tocante a equipamentos, insumos e recursos humanos.
Também infectologista, o médico Gabriel Serrano compartilha do entendimento do cenário de gravidade para a próxima leva, temendo os dias vindouros. “Mais de 90% dos casos de transmissão acontecem por causa das aglomerações ou contatos indevidos. Quando a gente diz que alguém precisa respeitar o distanciamento é porque esta pessoa não sabe se está com vírus naquele momento, podendo demorar até 14 dias para apresentar os sintomas. Neste intervalo, ela faz uma grande propagação, contribuindo para a superlotação que hoje está diante dos nossos olhos. É aquela visita rapidinha na casa de um amigo, que depois vai trabalhar e passa para os outros, seguindo um ciclo vicioso. Estamos com uma carga viral bem maior do que tínhamos no início da pandemia, algo que preocupa bastante”, adverte. Conforme Serrano, é preciso cautela no tocante, por exemplo, da utilização dos transportes públicos, onde avalia que deveriam prevalecer políticas públicas para evitar aglomeração. “Quando você reúne muitas pessoas no mesmo ambiente, permanecendo ali por muito tempo, como nos ônibus e vagões do metrô, esta probabilidade de contágio aumenta largamente, ainda que estejam de janelas abertas. É gente muito próxima, gente sem máscara. Este excesso de contato tem se mostrado ainda mais causador da transmissão do que se imaginava inicialmente”, atesta o médico.