Vida Urbana

Rosa Nascimento, a cozinheira que impediu que o Hotel Central do Recife encerrasse as atividades


Já imaginou se as nossas memórias afetivas nos movessem para tomarmos decisões que mudam a história de uma cidade? Foi o que aconteceu com Rosa Nascimento, de 55 anos. Cozinheira do Hotel Central do Recife desde os seus 18 anos, a chef aceitou ser a nova dona do estabelecimento após o anúncio dos antigos proprietários. As portas seriam fechadas no dia 1º de junho.

Com a notícia de que o patrimônio histórico do Recife encerraria as atividades, assumir a administração do Hotel não foi uma alternativa.

“Quando eu recebi a carta de que [o Hotel] ia fechar por conta da pandemia eu pensei 'Meu Deus, e agora?', o único meio de renda que eu tinha era o restaurante, todos os meus outros trabalhos acabaram. Não sabia o que fazer, demitir todo mundo?”

Além dos funcionários, outra preocupação da cozinheira era com os moradores do Hotel.

“Cinco pessoas moram aqui. Tem um [morador] que vive no estabelecimento há 23 anos, e completou 90 anos de vida no final de julho. Depois do anúncio de fechamento ele ficou desesperado, procurou apartamentos mas disse que nenhum tinha a cara dele. Quando eu avisei que eu ficaria com o hotel ele chorou. Miró está hospedado aqui desde o início da pandemia também”, revelou. 

Mesmo triste, Rosa do Nascimento sempre teve esperança de que o estabelecimento em que cresceu vendo a mãe trabalhar como camareira teria um destino feliz.

“Eu sempre tive um fio de esperança de que ia acontecer alguma coisa boa. Foi quando seu Domingos, antigo dono, me perguntou se eu queria ficar com o hotel. Eu disse: ‘Quero!’ Quando eu contei aos funcionários foi aquele chororô, aqueles abraços porque todos pensaram que ficariam desempregados. Os meus funcionários são o meu braço forte, por isso eu faço qualquer coisa por eles”, contou.

Com a retomada das atividades comerciais no Recife e a abertura do restaurante, a nova administradora conseguiu recontratar três funcionários. 

“Antes da pandemia quase 30 funcionários trabalhavam no hotel, hoje temos 17 funcionários e estou recontratando mais três dos 22 antigos empregados. Espero contratar todo mundo de volta”.

Na nova função, Dona Rosa tem muitos planos para reconsquistar o interesse do público e trazer novos hóspedes e visitantes.

“Eu quero manter isso aqui não só como um hotel, mas como uma passagem de cultura. Quero que venham os poetas, os escritores, pintores, artistas plásticos, cineastas, que temos muitos bons. Quero que esse povo todo venha para o Hotel Central, dê vida ao hotel,  não deixe isso aqui morrer, é patrimônio de Pernambuco”, desabafa.


A alegria no olhar de quem foi criada em um dos patrimônios históricos abre espaço também para um apelo popular.

“Uma estrutura linda como essa, no meio da cidade, no coração do estado precisa de gente que venha aqui. Venha comer, venha expor um livro, venha trazer sua obra de arte, tomar um café. Precisamos de forças nessas horas. Vamos manter o Hotel Central porque é história de Pernambuco. Pernambuco para mim não é só um estado, é um país.  Eu vivo dele”.

O legado de Dona Rosa será lembrado não só pela coragem de encarar o desafio  e zelar pelo estabelecimento que foi palco de tantas recordações emblemáticas da capital pernambucana, mas pela história de vida no Hotel Central, que também é compartilhada entre a família.

“Minha mãe e irmãs trabalharam aqui. Eu tenho um amor por esse hotel que é incondicional, sempre fui muito encantada por ele. Às vezes eu parava na frente do Hotel só para ficar olhando. Quando subia no 8° andar aí era minha loucura, não tinham outros prédios na frente, então era meu sonho de princesa ficar lá em cima. A relação afetiva é muito grande, mas a profissional também. Eu criei minha família trabalhando aqui. Foi o meu primeiro emprego de carteira assinada como auxiliar de cozinha. Chorei e tudo, foi muito marcante. Tenho minhas filhas formadas, com o meu trabalho nesta cozinha. Algumas até me ajudam também no Hotel.Tudo isso eu devo ao meu trabalho” recorda.

Eventos
O Hotel Central vai sediar, durante um mês, uma exposição com obras de artistas do Alto do Moura. O evento acontecerá do dia 10 de setembro a 10 de outubro. Também estão nos planos de Rosa Nascimento uma cantata natalina, que a nova dona espera realizar em dezembro deste ano.

“Meu grande sonho é ver este hotel fazer uma cantata de natal em dezembro nessas janelas, que vai ser a coisa mais linda da minha vida”, contou.

História
O Hotel Central do Recife foi inaugurado em 1930, e se tornou o primeiro arranha-céu do Recife. Na época, as construções não passavam do quarto andar. O estabelecimento foi o primeiro de luxo da cidade, com elevadores que ainda hoje funcionam e são movidos por uma manivela. Em 2017, o imóvel foi tombado pelo patrimônio histórico estadual. 

Durante o período de sua estréia, na década de 1930, o local foi comparado ao Copacabana Palace, onde recebeu a presença de figuras emblemáticas do mundo inteiro. 

“Aqui passou o presidente Getúlio Vargas, Carmen Miranda, Roberto Carlos, Luiz Gonzaga, o diretor Orson Welles. Isso aqui é lembrança de Pernambuco. A primeira queima de fogos do estado aconteceu aqui; os bailes de máscara. Todas as grandes festas”, contou Rosa Nascimento.

Com 59 apartamentos, o Hotel Central tem vistas encantadoras do Recife. No oitavo andar, é possível se hospedar no mesmo quarto em que a atriz e cantora Carmen Miranda se estabeleceu. Com vista para o mar e grande varanda, cômodo também oferece sentimento de nostalgia e de grandes recordações.


“Todas as vezes que eu venho aqui neste lugar eu me arrepio. São tantas lembranças que eu tenho, de tudo que eu vi e vivi aqui. Quando olho a vista desta varanda, todo esse vento e os dias bonitos eu sinto vontade de voar”. E o que faria Dona Rosa se tivesse asas?

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