Vida Urbana

Rua do Bom Jesus, uma das mais belas do mundo, desperta paixão de recifenses e turistas

De um dia para o outro, a Rua do Bom Jesus, no Bairro do Recife, ganhou holofotes em plena pandemia do novo coronavírus. Tudo porque uma revista norte-americana especializada em arquitetura, a Architectural Digest, listou a via da capital pernambucana como uma das 31 mais belas do mundo. É a única brasileira na lista, publicada em novembro do ano passado. A informação repercutiu entre os pouquíssimos moradores, além de trabalhadores, empresários e turistas da rua. Para quem estuda arquitetura e história, a beleza da Bom Jesus não é surpresa, principalmente por conta de seu “portfólio” de estilos impressos nos prédios antigos.

Há vinte anos, o arquiteto César Barros já tinha despertado para o valor da hoje aclamada Bom Jesus. Comprou o quinto andar de um prédio de cinco andares da rua, no estilo protomoderno, por um valor baixo e, anos depois, comprou o sexto andar. Mora em um dos apartamentos e aluga o restante. “Por mais que as pessoas conheçam a rua, não sabem os valores arquitetônico e urbanístico e como é o lugar para morar. Já tive hóspedes que foram embora porque acharam o lugar perigoso, e não é, e outros que amam. O legal daqui é o portfólio de estilos, que vai do colonial, ao eclético e moderno. Além disso, aqui se faz tudo em dez minutos, se vai a farmácia, banco, prefeitura, tudo a pé ou de bicicleta. Isso é fantástico porque conhecemos todo mundo.” 

Segundo César, sempre há uma viatura da Polícia Militar nas proximidades. Por isso não se incomoda com o pouco movimento e a escuridão dos finais dos dias de semana. Além do Edifício Bom Jesus, onde César mora, existe outro prédio na esquina da rua, também com poucos moradores.

Quem passa sempre pela rua, há mais de 40 anos, é o portuário Marcos Monteiro, 64 anos. O sindicato da categoria, inclusive, fica na Bom Jesus. “Essa é a rua mais bonita do bairro, cheia de árvores e casarões antigos. Sempre vejo muito turista por aqui.” Mas tem quem não se impressione com a antiga Rua dos Judeus, como era chamada. “Trabalho aqui há quinze anos e para mim é uma rua comum”, diz o porteiro José Maurício da Silva, 52.

Para o arquiteto e urbanista José Luiz Mota Menezes, a maior qualidade da rua é atravessar os séculos com harmonia em relação à paisagem urbana. “É muito difícil, com o desenvolvimento das cidades, uma rua manter o moderno e o antigo na mesma escala. A Bom Jesus tem caracterísitcas dos séculos 17 e 19 com certa unidade, além de arborização bonita e a sinagoga mais antiga das américas. Inclusive acho que a sinagoga foi o motivo da escolha da revista.”

Depois de saber da novidade, o funcionário público recifense Rafael de Almeida, 27, deu uma passada na rua para fazer selfies e postar nas redes sociais. “Estou morando em São Paulo e vim passar a pandemia no Recife, onde faço home office. Fazia tempo que não vinha aqui e sinto muito orgulho de ser da cidade.” Perto dali, um homem aproveitava para filmar um casarão em estado de conservação precário e criticar as condições de uma das ruas mais bonitas do mundo.

Quem também comemorou o título foi Pierre Lucena, presidente do Porto Digital. “Esta rua é emblemática para o bairro do Recife e mostra que é possível preservar nosso patrimônio através da viabilidade econômica.” A rua fica no território ocupado pelo Porto Digital. 

“A Bom Jesus foi restaurada na gestão de Jarbas Vasconcelos e lembro de um réveillon onde uma das atrações foi Chico Science. Na época, fizeram projeto com bares e restaurantes, começou a efervescência, mas não tinha como funcionar somente assim. Nos anos 2000, o Porto Digital começou a ocupar o bairro e ele voltou a ter vida.”

As empresas do Porto começam a ser reabertas gradualmente a partir do dia 20, avisa Pierre. “Para a gente, é importante ganhar esse simbolismo. O  bairro está precisando desse desafio na retomada”. A rua, lembra o presidente do Porto Digital, é a única do bairro com fios embutidos e o casario é conservado, o que deve ter contado pontos na escolha. Hoje, diz Pierre, trata-se do metro quadrado mais caro da cidade para aluguel.

Segundo a Fundação Joaquim Nabuco, a rua é considerada uma das mais importantes do bairro do Recife. Já foi chamada de Rua do Bode - na época dos holandeses, Rua da Cruz, dos Judeus e do Comércio. “O nome Bom Jesus provém do antigo Arco do Bom Jesus, que existia, até 1850, como uma das portas da cidade. Em 1653, no local foi construída a primeira sinagoga das Américas”, diz um documento da Fundação.

Leia a notícia no Diario de Pernambuco
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