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Em isolamento total há mais de cem dias, algumas pessoas ainda ensaiam volta às ruas

Publicado em: 30/06/2020 13:03 | Atualizado em: 30/06/2020 13:28

Em home desde 17 de março, Cecília pensa em voltar aos poucos às ruas, mas só para caminhadas no bairro (Foto: cortesia)
Em home desde 17 de março, Cecília pensa em voltar aos poucos às ruas, mas só para caminhadas no bairro (Foto: cortesia)

Era 12 de março quando a pior notícia dos últimos anos alastrou-se por Pernambuco. Os dois primeiros casos de Covid-19 estavam confirmados no Recife. A pandemia chegava perto, trazia incertezas e medo. Desde aquela data, já se passaram pouco mais de cem dias. Para uma parte da população em condições de enfrentar o isolamento social por completo, sem sair às ruas nem mesmo para ir ao mercado ou à farmácia, são como cem dias de solidão. Porque ela também se dá mesmo quando seguimos acompanhados. Depois de tanto tempo dentro de casa, há quem ainda esteja amedrontado em voltar às ruas. Mesmo com as medidas mais recentes de flexibilização do governo do estado. Mas até quando adiar essa saída? E como encarar o processo, novo para todo o mundo?

A designer de produtos Cecília Torres, 40 anos, entrou em isolamento social em 17 de março. Sua última saída para as ruas aconteceu no dia anterior. Foi até o escritório, pegou computador e outros objetos e, desde então, se mantém em casa, no bairro das Graças, com o marido, o jornalista Marcelo Benevides, 43, e o filho do casal, de seis anos. Compras de mercado e farmácia são feitas online. “No início, achei que o isolamento ia durar menos tempo, que as pessoas iriam respeitar a quarentena e um mês depois nós voltaríamos às atividades normalmente. Mas com o isolamento em torno de 50%, os casos foram subindo e eu fui ficando.”

Cecília conta não sair nem na calçada do prédio onde mora. O máximo que já fez foi descer à portaria. “Já estive mais ansiosa. Hoje estou um pouco mais tranquila, até porque a empresa onde trabalho já se posicionou favorável à manutenção do home office para quem quiser.” Cecília não tem comorbidades, mas diz ter medo da Covid-19. “Já vi casos de pessoas antes saudáveis e que foram internadas. Acho que é uma doença silenciosa e misteriosa. Faz estrago no seu corpo sem você sentir nada”, reflete. Com a redução de casos, Cecília ensaia uma volta às ruas. Mas ela se dará apenas no quarteirão onde mora. A pé e de máscara.

A decisão de Cecília de encarar ao menos uma caminhada pelo bairro faz sentido para a psicóloga Luciana Carvalho Rocha, especializada em luto e suicídio. “Não é para relaxar no isolamento, mas precisamos encontrar, dentro da normalidade de hoje, qual a realidade que temos para viver. A vida hoje se apresenta assim. Não podemos esperar a vida como era antes. Nem sabemos se ela vai voltar a ser como era antes. Não adianta prevenir a Covid-19 e adoecer mentalmente”, pontua.

Há relatos de pessoas acompanhadas por psiquiatras e psicólogos que deixaram o atendimento, seja por dificuldades financeiras ou por medo de se contaminar. Alguns atendimentos, no entanto, podem ser feitos online ou de forma voluntária ou negociada, por exemplo. A decisão de se afastar do atendimento, alerta Luciana Rocha, pode provocar agravamento dos quadros de saúde mental. “Se a pessoa já está deprimida ou ansiosa e nem consegue definir bem o que é bom para a saúde dela e, ainda, com medo do vírus, acaba abandonando o  tratamento. Isso pode agravar os casos e chegar a ponto de, dependendo do tipo da doença, como a bipolaridade ou depressão, aumentar o risco de suicídio.”

Psicóloga Luciana Rocha diz que não adianta prevenir a Covid-19 e adoecer mentalmente (Foto: cortesia)
Psicóloga Luciana Rocha diz que não adianta prevenir a Covid-19 e adoecer mentalmente (Foto: cortesia)

A chamada de Luciana Rocha a uma reação vem após os cem dias de isolamento. “No início da pandemia, não recomendava saídas. Mas hoje, recomendo colocar uma máscara, fazer uma caminhada para tomar sol, ver gente, produzir um pouco de endorfina. Quem gosta de fazer meditação, faça, ajuda muito. É importante lembrar que podemos fazer o isolamento físico, mas não o social.”

A aposentada Marília Alves, 81, pretende permanecer em isolamento total até a decretação do fim da pandemia. Moradora do bairro de Casa Amarela, conta com a ajuda de vizinhos para compras e idas ao banco.”Só saio na calçada rapidinho para colocar o lixo. Depois volto”, conta. Desde os primeiros dias de março ela permanece no apartamento. “Gosto de conversar na frente de casa, ir na casa de parentes, sair com minha sobrinha. Mas não faço mais nada disso. Tem dias que fico abalada, choro, vejo coisas,” Marília garante que, mesmo após a pandemia passar, somente voltará a sair de máscara e com álcool em gel.

A história de Marília se repete entre as pessoas idosas. A orientação de Luciana Rocha é participar de encontros virtuais. Mas, se você conhece alguém muito adoecido mentalmente, orienta-se colocar uma máscara, tomar todas as outras precauções de higiene, como tirar sapato e lavar as mãos, e fazer uma visita. “Não é para dar festa e nem sair aglomerando, mas, por exemplo, é possível contratar um músico para tocar para os moradores do prédio, onde todo mundo fique assistindo na varanda. É um momento de descontração e a arte salva.”

No início da pandemia no país, Luciana Rocha conta ter percebido, em atendimentos, pessoas mais unidas em um propósito, mesmo com o susto. Isso fez com que aquele primeiro momento fosse menos difícil. Até porque as pessoas não estavam isoladas há tanto tempo e achava-se que a situação seria normalizada em 40 dias. “Além do isolamento se estender muito, ainda não sabemos como será o novo normal. Então, o novo normal é esse que estamos vivendo. Temos que fazer o melhor da vida agora com as possibilidades que temos. Não dá mais para esperar por depois.” No Instagram, a psicóloga costuma postar temas ligados à saúde mental (@luciana.psicologia).

Plataforma de amizade
“Faça um bom amigo. “ Ao longo do isolamento social forçado provocado pela pandemia do novo coronavírus, esse desejo pode parecer ainda mais instigante. Ou mesmo indispensável. Pensando nisso, voluntários de todo o país podem se reunir na plataforma Meu Bom Amigo para fazer companhia a pessoas idosas ou solitárias de qualquer idade. O apoio acontece através de mensagens ou de ligações.
 
O projeto reúne atualmente 20 voluntários. Foi criado inicialmente em São Paulo para atender apenas a idosos, mas terminou ampliado para outras faixas etárias. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a incerteza do momento, os riscos de contaminação e a necessidade de isolamento social podem agravar ou causar problemas mentais.
 
Larissa Barreto dos Santos tem 23 anos, mora em Brasília e participa do projeto como voluntária. Todos os dias, ela e uma nova amiga, Benedita A.S., de 75 anos, moradora de Jundiaí, em São Paulo, se falam, seja por chamadas de vídeo ou por mensagem. “Ela é uma pessoa muito ativa, muito inspiradora. As reuniões de domingo com os filhos é o que mais está fazendo falta na vida dela atualmente. Por isso, se sente só, mesmo morando com o marido. Ao mesmo tempo, me sinto como uma filha dela e esse contato tem me feito bem.”
 
Larissa conheceu o projeto através de uma divulgação em um grupo de WhatsApp. E se interessou. Uma dica é observar se no bairro ou no condomínio existem pessoas isoladas e que poderiam ser beneficiadas com a iniciativa. Além disso, é importante multiplicar a ideia entre os parentes, vizinhos e amigos.
 
Para Benedita, os dias têm sido cansativos e tristes. O carinho e a atenção de Larissa e a disposição da nova amiga para ouvir têm feito a diferença ao longo da pandemia. “Não sou uma pessoa solitária. Tenho amigos, filhos. Na verdade, a solidão está dentro de mim, quase impossível de ser preenchida. Não sei bem explicar. Mas a pressão psicológica deixa tudo muito triste e pesado. Sou agradecida por ter pessoas que se preocupam umas com as outras, mesmo distantes, dispostas a aprender e a ensinar.”
 
O caso da amiga de Larissa é um bom exemplo de que nem sempre a comunicação com a família e pessoas próximas é suficiente. Se comunicar com outras pessoas traz sensação de bem estar e acolhimento e ainda reduz as chances da pessoa sair de casa e correr o risco de se contaminar com a Covid-19. Para participar do programa ou conhecer melhor a iniciativa, é possível acessar o site   www.meubomamigo.com.br ou o instagram do projeto, o @omeubomamigo.
 
No primeiro contato, é importante o voluntário se familiarizar com a pessoa. Falar um pouco sobre si mesmo, o que faz e como está passando a quarentena. Nos dias seguintes, é importante mandar mensagens ao menos de manhã e à noite, dando bom dia e boa noite. Perguntar como a pessoa está, se tem algum sintoma, se está preocupada com algo. Outra dica é ajudar a usar a tecnologia que pode trazer conforto, como aplicativos de delivery.
 
É importante  estar disponível para conversar e ouvir o que o outro tem para falar, perceber os temas de interesse e, principalmente, evitar disseminar notícias que não são de fontes oficiais ou que somente aumentem a ansiedade. Também não é permitido fazer diagnósticos ou recomendações médicas. O ideal é auxiliar a conseguir ajuda se necessário. Os organizadores do Meu Bom Amigo chamam a atenção para tentativas de golpe e orientam as pessoas a não passarem informações financeiras. O serviço não é cobrado.
 
Todas as informações sobre o projeto se concentram no site   www.meubomamigo.com.br. As pessoas interessadas também podem acessar o instagram do projeto, o @omeubomamigo para conhecer melhor a iniciativa.
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