Vida Urbana

Economia e segurança: especialistas indicam a bicicleta como alternativa pós-pandemia

Estrutura da cidade precisa ser suficiente para oferecer segurança e mobilidade aos ciclistas

A frase pode até parecer um clichê, porém é fato que em situações de crise a humanidade costuma encontrar soluções para um momento específico, mas que podem também resolver outros problemas por mais que estejam enraizados na sociedade. E não faltam motivos para encarar as bicicletas como meio de transporte viável durante o período de adaptação da rotina à pandemia, onde minimização de custos, cuidados socioambientais, além de segurança e saúde são cada vez mais essenciais. É a hora e a vez das bicicletas.

Transporte individual, que reforça um hábito saudável de exercícios, e de contato mínimo com outras pessoas, até mesmo para os casos de compartilhamento onde a higienização é barata e prática. Não é exagero apontar a bicicleta como transporte mais seguro para evitar a disseminação da Covid-19.

Economia
Na ponta do lápis, os benefícios também se traduzem em números. Adotar o uso da bicicleta pode trazer vantagens financeiras tanto para os empregados quanto para seus empregadores. Por lei, os patrões são obrigados a fornecer o deslocamento particular ou arcar com os custos de transporte público dos funcionários até o local de trabalho. Por sua vez, o trabalhador contribui com até 6% da sua remuneração mensal. E para esses casos, adotar a bicicleta pode gerar uma economia substancial, segundo sugere o engenheiro especialista em Transporte e Trânsito, Adrimom Cavalcanti.

"Adotar a bicicleta significa mover a economia e a lei já permite esse tipo de operação. Todo empregador gasta, em média, R$ 150 com cada um dos seus funcionários. Tomando em consideração que o custo de uma bicicleta de boas condições gira em torno de R$ 500, logo você pode ter um custo de R$ 900 por semestre e economizar em torno de 45% no período. E para os empregados, significa cerca de 75% de um salário economizado ao final do ano", calcula, resguardando situações para casos específicos.

"Evidentemente que há coisas que se pre cisa administrar, como os períodos de chuva e quem se desloca a longas distâncias, mas é possível utilizar o ano todo, criando bicicletários e minimizando as distâncias, por exemplo, ou nos tempos de chuva utilizar o vale transporte. Mas nunca vai existir um transporte que atenda às necessidades de todos de uma vez", pondera Adrimom.

Alternativa para o trânsito e o transporte público
Em levantamento de 2018 realizado pela empresa inglesa de monitoramento via GPS 'Tomtom', o trânsito do Recife apresentou o pior índice de tráfego do Brasil e o décimo pior no cenário mundial. Enquanto em 2016, o aplicativo de mobilidade urbana Moovit apontou o transporte público da capital pernambucana como o mais demorado do país no deslocamento casa/trabalho, durando em média 96 minutos para cada deslocamento, onde 34% dos usuários ultrapassam a marca dos 120 minutos.

Muito antes desse cenário caótico se desenrolar, na década de 1980 a adoção das bicicletas já era pauta das reivindicações do ambientalista Sérgio Xavier, que viria a dirigir a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco por seis anos nesta década. Há oito anos sem carro, Sérgio aponta que a Região Metropolitana atravessa o momento exato para intensificar as discussões sobre o incentivo ao uso das bicicletas. 

"Pensando no planejamento da cidade, já naquela época a gente conseguiu a aprovação de uma lei na câmara municipal, mas que passou décadas sem implementação. Achamos que esse é um momento importante para replanejar o trânsito da cidade e rediscutir com os órgãos públicos, pois o trânsito vai reabrir de uma forma diferente nessa discussão para a retomada da economia", destaca o ex-secretário, antes de elencar fatores que reforçam os argumentos.

"A começar pela defasagem de horários e a aglomeração nos ônibus. A bicicleta é uma ótima alternativa para equilibrar esse fluxo de pessoas na cidade. Além de ser um veículo de baixo custo, saudável, e de isolamento contra o vírus" completa.

Os desafios
Entretanto, por mais que se desenhe como salutar, o caminho para que as bicicletas ganhem mais espaço ainda não está livre. Mesmo apontado como o modal mais 'democrático' pelos ativistas, pelo potencial de alcançar as mais diferentes camadas sociais graças aos custos relativamente baixos, é preciso que a estrutura da cidade seja suficiente para oferecer segurança e mobilidade aos ciclistas.

De fato, nos últimos anos Recife observou um expressivo crescimento em relação à malha cicloviária, passando de 24 Km e 2013 para 125,5 Km em 2020, num crescimento de 522%, segundo relatório fornecido pela Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU). Os dados, no entanto, são contestados pela Associação Metropolitana de Ciclistas do Grande Recife (Ameciclo), e apontados como insuficientes para atender a demanda da cidade.

"Esses números somam o trajeto de ida e de volta. E em alguns casos, como a ciclovia Graça Araújo, no Centro da cidade, a ciclovia é instalada em cima das calçadas, dividindo espaço com os pedestres, por exemplo", aponta um dos coordenadores da Ameciclo, Roderick Jordão, que acusa ainda a CTTU de evitar ao máximo reduzir o espaço para os veículos.

"Falta coragem à CTTU, à prefeitura, de mexer com a classe média motorizada, que não abre mão do carro para se locomover. Eles não querem mexer com isso, porque sempre gera uma repercussão negativa nessa classe. Se em Boa Viagem, por exemplo, a grita já foi grande para não perder espaço para uma faixa azul de ônibus, imagina para uma ciclovia?", questiona Roderick.
 
Outro desafio é reduzir o número de acidentes de trânsito envolvendo ciclistas, que também aumentou à medida em que a malha cicloviária expandiu. De 2014 a 2019, por exemplo, os números de acidentes cresceram em 228%, partindo de 96 até 219 casos no ano passado. Porém, apesar do aumento, a CTTU alega que há "percentualmente um aumento da segurança viária para os ciclistas com os novos equipamentos de rotas cicláveis."

Para isso, o órgão faz um alerta de que é necessário que haja também uma conscientização dos ciclistas em atender às normas de trânsito. "É importante destacar, também, que os ciclistas devem utilizar os equipamentos das redes cicláveis e ter condutas responsáveis no trânsito como, por exemplo, andar sempre no sentido do fluxo de veículos e, caso a via não possua rota ciclável ainda, utilizar a faixa de menor velocidade", diz em nota.

A solução
Para encontrar uma solução, o coletivo Sinspirehoje promoverá encontros virtuais com diversos líderes de grupos ciclistas na próxima quarta-feira, via vídeo-conferências. Serão recolhidas sugestões e reivindicações que serão entregues à Secretaria de Mobilidade e Controle Urbano do Recife. Segundo Sérgio Xavier, a iniciativa já recebeu um aceno positivo do secretário João Braga.

"A ciclovia é importante, mas ela pode ser integrada, ligar a cidade inteira por vias alternativas, menos congestionadas, mas também com corredores em vias principais e a prefeitura está tendo essa percepção. Podemos fazer muito mais, com sinalizações como já temos em algumas vias do Recife e até o uso de aplicativos que mostrem as melhores rotas, o que vem a facilitar até o conjunto de trabalhadores que usam a bicicleta para fazer entregas, dando segurança e agilidade", aponta Sérgio.

Para o engenheiro Adrimom, a pressão pela construção de novas vias e investimento do poder público se torna maior à medida em que os espaços são ocupados pelos ciclistas. "Quanto mais bicicletas nas ruas, maior vai ser a pressão para que uma infra-estrutura seja instalada, maior vai ser o respeito dos motoristas com os ciclistas. Ninguém perde, só tem ganho. Ganham todas as partes."

Já Rodrick acredita que a partir de uma estrutura oferecida, os ciclistas tomarão a iniciativa de ocupar os espaços públicos. "É uma discussão grande sobre essa demanda e o poder público tem por obrigação abrir as ciclovias. Abra a ciclovia que os ciclistas virão. Isso é modelo em qualquer cidade do mundo experimenta. O que falta é planejamento da mobilidade porque nos faltam dados. A gente só apaga incêndio", comenta.

Visão que encontra base nos dados da própria CTTU. Segundo o órgão, investir no aumento da malha cicloviária "fez com que a demanda de ciclistas aumentasse, tendo em vista o incentivo a esse meio de transporte gerado pelos novos equipamentos de rotas cicláveis. Na Rua Carlos Gomes, no bairro do Bongi, por exemplo, existia uma média de 76 ciclistas no horário pico. Com a implantação da Ciclofaixa Estrada do Bongi, passou a ter uma média 142 bicicletas por hora pico - um aumento de 86% no número de ciclistas na via", afirma em nota, antes de completar.

"Além da ampliação da malha cicloviária, a CTTU tem investido massivamente, também, na educação para o trânsito, tanto com atividades lúdicas com artistas educadores nas ruas e nas escolas do Recife, como, também, com o Projeto Orientadores de Trânsito, conhecido como "os amarelinhos" que fazem trabalho educativo diariamente nas ruas, orientando os motoristas a uma prática de direção respeitosa."

Total de acidentes com ciclistas por ano no Recife

2014 96

2015 93
2016 108
2017 130
2018 167
2019 219

Leia a notícia no Diario de Pernambuco
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