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CORONAVÍRUS

Sem voos, brasileiros relatam drama para deixar o Canadá e voltar para casa

Publicado em: 27/05/2020 17:30 | Atualizado em: 27/05/2020 18:01

"Se eu ficar ilegal estraga esse sonho, pois vai ficar marcado no meu visto", lamenta a pernambucana Maria Fernanda (Cortesia)
"Se eu ficar ilegal estraga esse sonho, pois vai ficar marcado no meu visto", lamenta a pernambucana Maria Fernanda (Cortesia)
"Eu só preciso chegar em casa." O apelo da estudante recifense Maria Fernanda Fernandes, de 21 anos, também ecoa por mais de 250 brasileiros que estão no Canadá, tentando voltar para o Brasil. Com as medidas de isolamento e cancelamentos de inúmeros voos pelo mundo inteiro, em decorrência da pandemia de Covid-19, o sonho de voltar para casa tem se tornado um verdadeiro pesadelo compartilhado pelas famílias.

Os relatos são diversos, mas sempre com uma situação em comum: os cancelamentos sem aviso prévio e sem reembolso afetaram os planos de retorno, gerando até cinco remarcações de voos em casos mais graves. Todos sem previsão de embarque, tanto pelas companhias aéreas, quanto por aplicativos de compra de passagens.

"Com o avanço do coronavírus, fui vendo o aumento do cancelamento e adiamento dos voos e fiquei com medo. Entrei em contato com o aplicativo Hopper, por onde comprei a passagem, para que eles antecipassem a minha volta, com segurança, mas eles ignoraram a minha solicitação", explica Maria Fernanda, que teve o voo do dia 27 de junho cancelado.

A pernambucana é porta-voz de um grupo criado no facebook para reunir as histórias e gerar uma corrente de apoio. O caso de Maria Fernanda, que segue hospedada por um casal de amigos que a recebe desde janeiro, é um dos menos complicados. Porém nem todos têm a mesma sorte. "É por isso que não estou passando por dificuldades, mas é o meu caso e praticamente ninguém teve essa mesma sorte. Tem pessoas que estão sem abrigo e até sem alimentação. Famílias tentando vaga em albergues e dependendo de ajuda para se alimentar", relata.

Além do desamparo, os brasileiros enfrentam ainda o risco de cair na ilegalidade por imigração, a depender do tipo de visto temporário cedido pelo Canadá. Em alguns casos o prazo já expirou. "Tem muita gente que já está ilegal e outros muito perto de ficar ilegal também. No meu caso, o visto de turista foi concedido por cinco meses e tenho até o dia 27 de junho para voltar", explica Maria Fernanda, que vê os planos de uma vida inteira ficarem por um fio. "Se não voltar, terei mais um mês ou vou ficar ilegal no país, e isso não é nada bom. Como eu sonho em migrar para cá de vez, se eu ficar ilegal estraga esse sonho, pois vai ficar marcado no meu visto e eu não terei mais como voltar."

Mais relatos

Além de Maria Fernanda, outros brasileiros também relataram seus dramas, na esperança do governo federal disponibilizar um voo de repatriação, a exemplo do que ocorreu em países como China e Portugal, entre outras nações com grandes concentrações de brasileiros. Segundo levantamento do Ministério das Relações Exteriores (MRE) no começo do mês de abril, cerca de 5,8 mil brasileiros aguardavam retorno ao país, e mais de 10 mil conseguiram voltar para o Brasil.

Os caminhos para os brasileiros no Canadá, no entanto, parecem mais escassos. A alternativa que o consulado nacional oferece não é vista como eficaz. "Entramos em contato com o consulado brasileiro - no Canadá - e a única ajuda que nos falam é que para comprar outras passagens para os Estados Unidos ou para a Europa e de lá voltar par ao Brasil, mas a minha mãe, assim como muitos brasileiros, não tem visto americano e os preços para viajar para a Europa estão absolutamente caros. Não temos esse dinheiro", afirma Camila, que tenta a volta da mãe Elenir, que teve três cancelamentos de voos desde abril.

"Eu não tenho visto americano e a embaixada do Brasil em Toronto me informou que a embaixada dos Estados Unidos não está emitindo sequer o visto de trânsito. As viagens pela Europa estão muito mais caras", reforça o paraibano Claudio Lourenço, de 27 anos, há um ano trabalhando no Canadá, mas tem visto próximo de expirar em 10 de junho, assim como o contrato de aluguel. "É um apelo de ajuda ao governo brasileiro, para ver se consegue mandar um voo, mesmo que seja necessário pagar alguma coisa", completa.

"Eu faço tratamento contra um câncer, com consulta a cada três meses com um oncologista. Uso medicamento de forma contínua, mas ele acabou e meu marido até tentou enviar uma caixa, mas ela ficou retida na alfândega. Eu preciso voltar para o Brasil. O nosso consulado não nos ajuda em nada. Só mandam voltar pela Europa, mas são voos caríssimos", se queixa a paulista Dulce.

Também pernambucana, Larissa Lages, de 26 anos,nestá há dois no Canadá e teria o visto de trabalho renovado. Porém, por conta de um erro de documentação da empresa que trabalhava, precisa voltar ao Brasil até julho. Depois de cinco cancelamentos, também alega não ter recebido um apoio devido da embaixada brasileira.

"Estou aqui no Canadá sem receber, porque não posso mais trabalhar e não consigo voltar. Preciso sair porque o custo de vida aqui é muito alto e a empresa não pode me auxiliar, porque seria ilegal. Vim sozinha e nao conheço muita gente. Mandei e-mail para o consulado e eles falaram que não poderiam fazer muita coisa, só orientaram a voltar pela Europa, mas os voos são muito caros", afirma.

Crise das companhias aéreas dificultam o cenário

Como se não bastasse a incerteza da volta para casa, o drama ainda aumenta quando levado em consideração o momento conturbado de crise na aviação. Ao redor do planeta, o setor é um dos que mais foram atacados pelas medidas de combate à Covid-19. Na Europa, por exemplo, a Alitalia receberá intervenção de gestão estatal, assim como a Lufthansa na Alemanha, e nos Estados Unidos o grupo Latam pediu abertura de processo de recuperação judicial. 

A Air Canada, responsável pela maioria dos voos entre o país e o Brasil, teve as operações suspensas para o país até agosto, o que preocupa os brasileiros. "Acredito que não vai voltar esses voos em agosto, ainda mais da situação em que o Brasil está com o coronavírus", afirma Camila, que apresenta mais um agravante no caso. "A Air Canada, como política interna, não vai retornar esse dinheiro para comprar outra passagem por outra companhia. E ainda corremos o risco de comprar por conta própria e também ser cancelada", aponta.

No caso de aplicativos de compra, como o Hopper, a pernambucana Maria Fernanda afirma que após negativas de ressarcimento, vai acionar o caso na Justiça. "Entrei em contato com o aplicativo e eles me negaram o reembolso, continuam me negando. Por isso estou entrando com ação junto a um advogado, porque eles não podem me negar", aponta.

Em nota, a Hopper afirma que o processo de cancelamento é feito por meio do formulário ou do aplicativo, com "a certeza de que o cancelamento será processado e pode levar até 90 dias." A empresa orienta ainda aos clientes que "o valor do bilhete é seguro e receberá o valor total oferecido pela companhia aérea, sem cobrar taxas de serviço ao cliente por essas transações."

Até a publicação deste material, o Itamaraty e a embaixada brasileira no Canadá não responderam aos questionamentos da reportagem.
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