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Filas, aglomerações e serviços irregulares: Moreno enfrenta resistência à quarentena

Publicado em: 07/04/2020 14:26 | Atualizado em: 07/04/2020 14:40

Mesmo proibidos de rodar, mototaxistas circulam livremente com e sem identificação (Peu Ricardo/DP FOTO)
Mesmo proibidos de rodar, mototaxistas circulam livremente com e sem identificação (Peu Ricardo/DP FOTO)
No último dia 17 de março, Pernambuco registrou o primeiro caso de Covid-19 originado por transmissão comunitária, quando não é possível rastrear a fonte da infecção. De lá para cá, 22 dias depois, o estado soma 352 casos do novo coronavírus (129 novos confirmados nesta terça-feira, 7), sendo 34 óbitos confirmados entre os testados. Dados em tese alarmantes, que embasam as recomendações da Organização Mundial de Saúde - OMS adotadas pelo governo do estado, no desafio de combater a disseminação do vírus. Porém, por vezes a luta esbarra na rotina da própria população.

É o que acontece na cidade do Moreno, Região Metropolitana do Recife, que ainda não registra casos da doença entre os seus 56,7 mil habitantes da cidade, segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Em visita ao centro comercial nesta terça-feira, a reportagem do Diario de Pernambuco flagrou diversas situações que vão de encontro às recomendações de proteção contra a contaminação.

Em bancos, lotéricas e caixas eletrônicos, as filas se estendiam por metros nas calçadas, nem sempre adotando a distância recomendada de ao menos um metro entre as pessoas. “O serviço está até mais rápido do que o dia normal. Só o pessoal que nem todos estão respeitando os espaços”, relata Joselito Araújo, 49 anos, que ainda relata problemas em para ter acesso a materiais de proteção na cidade. “Saí de casa hoje. A gente sabe que precisa usar álcool gel e máscara, mas tá difícil chegar em Moreno.”

A presença de idosos, um dos principais grupos de risco da Covid-19, não era restrita às filas dos bancos. Ao longo da Praça da Bandeira, principal da cidade, e nos comércios, alguns até chegavam a se reunir em rodas de conversas. “Aqui em Moreno as pessoas estão respeitando mais no período da tarde, mas pela manhã é todo mundo na rua”, afirma Clériston Viana, 59 anos. “Tem muita coisa errada aqui. Nem todo mundo está respeitando a quarentena”, reforça Luís Ferreira, 72 anos.

Também no comércio, mesmo com decreto estadual para a suspensão das atividades que não são consideradas de abastecimento básico para a população, sancionado no último dia 22, estabelecimentos de outras áreas mantinham o funcionamento. Entre eles, bancas de apostas, lojas de assistência de aparelhos eletrônicos, armazém de construção, papelaria e lojas de móveis.

“É uma situação complicada. A gente abre, mas com a porta pela metade e tenta atender pelo whatsapp mesmo, com o cliente só trazendo o aparelho. Quando o cliente sai, baixa a porta para evitar aglomeração”, descreve Jefferson Silva, 35 anos, dono de um quiosque de assistência de aparelho celular. “A única fonte de renda que eu tenho é essa. Se eu parar, como fica a família? Tenho que correr o risco, mesmo com uma queda de 60% da clientela”, argumenta. 

Mototaxistas na ativa

O sustento familiar também é a principal preocupação apontada pelos mototaxistas, identificados ou não, no Moreno. Impedidos também por decreto de exercer a atividade desde o último dia 23, pela proximidade entre motociclista e passageiro, na prática o serviço segue como um dos principais meios de transporte alternativo para os moradores da cidade que ainda se arriscam a sair de casa. Os pontos mais movimentados, inclusive, funcionam a poucos metros do prédio da Prefeitura do Moreno.

“Rodar de mototáxi está difícil. Quase não tem passageiros, caiu uns 70% a 80%. A gente sabe que tem que parar, ainda assim está se arriscando. É a minha única fonte de renda”, alega o mototaxista Joabe da Silva, 28 anos.

“Se eu ficar em casa, parado, vai ser pior. Eu trabalho numa firma, no período da tarde, mas nas horas vagas eu dou uma rodadinha pra garantir um pão, ou uma carne. Tenho nove filhos. Quem vai levar comida pra mim? Ninguém vai mandar a feira”, aponta o também mototaxista Agnaldo da Silva, 45 anos.

Além da falta do uso equipamentos proteção individual como máscaras e luvas, e da desinfecção com álcool em gel, a desinformação também se torna um fator de risco. “Muita gente que fica inventando coisas sobre essa doença. Ela é um castigo divino. Tem que ter fé para não pegar”, acredita Agnaldo. “Em Moreno não tem caso e nem suspeita. Acho até que já teria que voltar algumas coisas aqui e no Recife também deveria estar funcionando”, opina Joabe.

Um desafio para a Saúde

À reportagem do Diario, o coordenador da Vigilância em Saúde da Prefeitura do Moreno, Gilvan Leite, alegou que foram realizadas ações de conscientização da população, sobretudo os comerciantes e prestadores de serviços do município.

“Fizemos todo o roteiro de informação, com carro de som conscientizando sobre o decreto e a doença provocada pelo coronavírus. Publicamos o decreto passo a passo, quem poderia ou não permanecer aberto. Mas enfrentando resistência e continuamos indo às ruas. Estamos tentando, junto com outras secretarias ver essa questão. Temos o nosso papel e tentamos de forma amigável. É uma minoria que está tentando retrucar, mas existe resistência” admitiu, antes de prometer.

“Nós vamos de estabelecimento em estabelecimento, com apoio da Secretaria de Ordens Públicas, fazer essa divulgação. A gente já conseguiu diminuir muito e hoje (terça-feira, 7) saímos revisando os que podem ficar abertos, para ver se adotaram as medidas adequadas, também o aconselhamento das pessoas que estão nas filas”, disse o coordenador.

Na opinião de Gilvan Leite, um hábito local acaba prejudicando o intuito da quarentena de isolamento social. “Muita gente vai às ruas fazer as comprar mas se aglomera na volta. Estamos na Região Metropolitana, mas a nossa população tem esse hábito que é típico de região do interior. Está sendo o nosso desafio, e estamos firmes, saindo todos os dias da vigilância”

E aponta os passos a ser tomados pelas autoridades locais na tentativa de minimizar os riscos no serviço de mototáxi. “Sentaremos com o pessoal da guarda, com vigilância nos pontos. Muita gente acaba rodando sem colete, o que dificulta a vigilância. Vamos sentar com o pessoal da Guarda Municipal, que tem esse controle para saber quem está ou não cadastrado no serviço”, completa o coordenador de vigilância.
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