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Meio Ambiente

Ilha de Deus: Marisqueiros perdem a clientela após desastre com óleo no litoral do estado

Publicado em: 10/11/2019 15:50

João Batista pesca e cata mariscos todos os dias, mas não consegue vendê-los. (Foto: Paulo Paiva/DP.)
João Batista pesca e cata mariscos todos os dias, mas não consegue vendê-los. (Foto: Paulo Paiva/DP.)
O leite e a fralda das crianças da família de oito membros estão prestes a acabar. Na casa, todos os adultos dependem diretamente da atividade pesqueira da Ilha de Deus, na Imbiribeira, Zona Sul do Recife. Desde o início da tragédia ambiental do derramamento de petróleo cru no litoral nordestino, famílias inteiras estão vivendo um drama porque não conseguem vender o que pescam. Na comunidade, estima-se que cerca de 80% da população é formada por pescadores, marisqueiras e criadores de camarão.

Sem receber benefícios do poder público e com as vendas paradas, quem vive da atividade continua pescando para consumo próprio. “A gente continua trabalhando porque tem que continuar. Vivemos disso desde sempre. A gente acorda às 5h e o trabalho vai até as 22h”, diz a marisqueira Liliane Oliveira, 28. Antes do desastre com o óleo, que não chegou visivelmente às águas do Recife, eram vendidos cerca de 40 quilos do produto por dia. Agora, conseguem vender, no máximo, cinco quilos diariamente. “O resto vai para o congelador. As pessoas costumavam nos procurar muito para levar a restaurantes e hotéis. Hoje, a gente fica ligando e ninguém quer porque as pessoas estão com medo de comer”, afirma o pescador Valdemir dos Santos.

Confiantes de que o produto que manipulam diariamente não está contaminado, os moradores comem o que pescam em várias refeições, principalmente porque o produto está sobrando na geladeira. “A gente quer que essa situação se resolva. Participamos de reuniões e protestos da Colônia de Pescadores do Pina para a possibilidade de recebermos um salário-mínimo como auxílio durante esse período, mas a gente não quer isso. A gente quer trabalhar e viver do nosso trabalho”, diz o pescador. “Não chegou óleo na Ilha de Deus. Estamos trabalhando todos os dias e queremos vender”, completa o pescador João Batista, 44.

Sobre a questão, a Secretaria de Desenvolvimento Agrário de Pernambuco enfatizou que “com a chegada do óleo ao litoral de Pernambuco, a população deixou, espontaneamente, de consumir pescados, o que afetou diretamente as mais de 10 mil pessoas que tiram seu sustento da pesca”. A pasta explicou que Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, acenou com o pagamento do Seguro-Defeso, que no estado contemplaria menos de 400 pescadores de lagosta.

Liliane e Lidiane Oliveira mantiveram a dura rotina de trabalho, mesmo sem procura. (Foto: Paulo Paiva/DP.)
Liliane e Lidiane Oliveira mantiveram a dura rotina de trabalho, mesmo sem procura. (Foto: Paulo Paiva/DP.)

“De imediato, o governo de Pernambuco alertou que a medida não atenderia à totalidade da categoria, levando o ministério a revogar a medida e prometer uma outra ação que contemplasse, também, quem trabalha com outros tipos de pescados, como peixes, ostras, mariscos, camarões e caranguejos. Essa nova medida, infelizmente, ainda não foi anunciada”, informou a secretaria, por nota.

Em outra frente, esclarece a nota, o governo do estado está realizando a coleta de amostras de água e de pescados para análise e verificação se houve ou não contaminação e, em caso positivo, qual a dimensão. “A Secretaria de Desenvolvimento Agrário está concluindo a contratação de laboratório certificado que realizará a análise dos pescados para dar segurança à população e aos pescadores sobre a qualidade dos pescados”, esclareceu.

Estudo da Fiocruz vai rastrear riscos de petróleo à saúde

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) vai monitorar o impacto na saúde da população atingida pelo derrame de petróleo. Um dos principais objetivos do estudo é rastrear o risco para pescadores, marisqueirase grávidas. Para isso, a instituição criou um grupo de trabalho que está avaliando o problema e irá propor soluções. A Fiocruz apresentará ao Ministério da Saúde um plano de ação que incluirá, entre outros pontos, um planejamento de capacitação de curto prazo para que os profissionais de saúde das redes de atenção do Sistema Único de Saúde (SUS) estejam habilitados a prestar serviços que levem em consideração os riscos à saúde decorrente do desastre ambiental.

“Nas áreas atingidas, os pescadores e marisqueiras (que no Nordeste representam uma população hoje estimada em 144 mil pessoas) correm o risco de ter contato direto com o material contaminado e o pescado como principal fonte de sua alimentação e modo de vida nos territórios que habitam. Essas populações exercem um papel central na defesa do patrimônio cultural, ambiental e econômico da costa do Nordeste. Por isso, temos que ter um cuidado redobrado com essas pessoas, e, por isso mesmo, envolvê-las na organização da resposta”, afirmou o pesquisador da Fiocruz Guilherme Franco Netto.

De acordo com o pesquisador, um conjunto de medidas estratégicas deve ser implementado, como adefinição de parâmetros para a análise dos alimentos com potencial contaminação para orientar adequadamente o consumo de pescados; a garantia da segurança alimentar da população, com atenção especial para as comunidades que v ivem e trabalham do mar e do mangue, pescadoras e pescadores; o envolvimento do Conselho Nacional de Saúde e dos Conselhos de Saúde dos estados afetados, onde estão presentes trabalhadores de saúde, representantes dos movimentos sociais e de governo; a implementação de estudos de monitoramento de longo prazo na população exposta; e a informação à população sobre a não exposição ao óleo bruto ou áreas contaminadas.
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