Vida Urbana

Ensino integral: pesquisa mostra que estudantes têm mais oportunidades quando passam mais tempo na escola

Lucielle Laurentino, de Bezerros, no Agreste, fez mestrado de engenharia florestal na Espanha.

Trabalhar como produtora rural parecia ser o único destino possível para Lucielle Laurentino. Assim como alguns dos 19 irmãos, foi criada pelos avós, que trabalhavam em plantações em Serra Negra, no município de Bezerros, Agreste do estado. A mãe, que a teve aos 14 anos, morava no Recife. O pai nunca foi presente na vida da filha. Até ingressar no Centro de Ensino Experimental (CEE) da cidade, atual Escola de Referência em Ensino Médio (Erem) Bezerros, a menina passava o dia trabalhando no campo e vendendo banana na feira local. Estudar na escola em tempo integral, porém, fez o destino de Lu cielle mudar de rumo. Ela, que só imaginava o futuro na cidade onde nasceu, começou a sonhar em viajar e morar em outros lugares que só via pela televisão. Hoje aos 30 anos, é licenciada em geografia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e tem um mestrado em engenharia florestal pela Universidade de Valladolid, na Espanha.

Histórias como a de Lucielle, que teve a vida transformada pela educação integral pública, são cada vez mais comuns em Pernambuco. Um levantamento do Laboratório de Pesquisa e Avaliação em Aprendizagem da Fundação Getúlio Vargas (Learn/FGV), em parceria com o Instituto Sonho Grande, revelou que o ensino integral do estado tem impactos positivos em termos de escolaridade, renda e equidade. A pesquisa Mais integral, mais oportunidades: um estudo sobre a trajetória dos egressos da rede estadual de ensino de Pernambuco, finalizada em setembro deste ano, revela que a probabilidade de ingressar no ensino superior é 17 pontos percentuais maior para estudantes formados em escolas integrais.

Aluno de licenciatura em educação física da UPE, Wellton Melo afirma que o diferencial da escola integral está no projeto pedagógico.

Com o objetivo de responder à pergunta “Como é a vida hoje dos egressos das escolas estaduais de Pernambuco?”, a pesquisa inédita no país revelou que, em termos de escolaridade, enquanto os estudantes formados em escolas parciais (regulares), apresentam 46% de probabilidade de ingressar no ensino superior, enquanto entre os egressos de escolas integrais essa chance sobe para 63%. Em relação à renda, os resultados mostraram que, desde o início da carreira, os formados em escolas de tempo integral apresentam maior probabilidade de estarem em faixas de renda superiores – em média, o ensino integral soma R$ 265 à renda individual.

Atualmente, das 1.059 escolas da rede estadual, 412 são integrais, sendo 368 Escolas de Referência em Ensino Médio (Erem) e 44 Escolas Técnicas Estaduais (ETE), o que representa 57% das matrículas da rede. Cerca de 150 mil estudantes pernambucanos estão em escolas integrais. Para 2020, o percentual de matrículas nessa modalidade vai subir para 62%. A meta do estado é chegar a 70% em 2022. Até 2024, o Plano Nacional de Educação (PNE) prevê que o Brasil tenha, no mínimo, 50% das escolas públicas oferecendo educação em tempo integral, com capacidade para atender pelo menos 25% dos alunos da educação básica nesse formato.

Para Wellton Melo, 18 anos, ter estudado em uma escola de tempo integral foi decisivo para a aprovação em uma universidade pública. “Não é o tempo a mais que faz a diferença, mas, por ter uma carga horária maior e um projeto pedagógico diferenciado, temos mais possibilidades de adquirir conhecimento e mais chances nos vestibulares”, disse o estudante de licenciatura em educação física da Universidade de Pernambuco (UPE).

“Fui apresentado à possibilidade de ingressar no ensino superior na escola integral. Amadureci para o mundo acadêmico e para o mercado de trabalho”, afirma Guilherme Aguiar, 19 anos, ex-aluno do Ginásio Pernambucano Cabugá e estudante da UPE. “Minha mãe só fez os anos iniciais do ensino fundamental e meu pai, o ensino médio. A escola me fez criar um projeto de vida e desenhei o meu futuro a partir disso”, completa Guilherme.

Fundador do Instituto de Corresponsabilidade pela Educação (ICE) e idealizador do projeto-piloto do ensino integral no GP, o pernambucano de Sertânia Marcos Magalhães destaca que os resultados das escolas nessa modalidade têm aspectos quantitativos e qualitativos. “Do ponto de vista quantitativo, um dos primeiros resultados que encontramos foi uma taxa de abandono, que era dramática no estado, de 24%, cair para 1%. Qualitativamente, podemos observar uma mudança de comportamento. Os estudantes têm um projeto de vida e são protagonistas de suas histórias”, ressalta.

Guilherme Aguiar viu no ensino de tempo integral a possibilidade de ingressar em um curso superior.

O tempo médio de jornada escolar brasileira é de quatro horas, menor do que a média de outros países, que é de seis horas. “Entre 2003 e 2004, Pernambuco despontou no cenário nacional como vitrine da educação no país, por implantar um projeto-piloto no intuito de melhorar a qualidade do ensino, aumentando a proficiência dos estudantes e ampliando o acesso ao sistema escolar, além de reduzir o abandono e a evasão escolar”, pontua a pesquisa da FGV.

Em 2004, o Ginásio Pernambucano (GP) da Rua da Aurora, área central do Recife, recebeu a primeira turma que passaria a vivenciar uma educação integral em tempo integral. O modelo do GP foi replicado, posteriormente, em outras regiões do estado, incluindo Bezerros, onde Lucielle Laurentino estudou. “Fiquei sabendo de um teste de nivelamento para ingressar em um modelo experimental de ensino médio na cidade. Meus resultados em matemática e em português foram péssimos. Considero que fui alfabetizada no ensino médio. Sai da experiência transformada e com novas perspectivas de futuro”, afirma ela, que atualmente mora em Brasília e atua na área de educação.

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