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JUSTIÇA

Julgamento de acusado de matar Mirella Sena tem quatro mulheres e três homens no júri

Publicado em: 05/08/2019 09:34 | Atualizado em: 06/08/2019 10:20

Edvan Luiz está preso desde abril de 2017 e chegou por volta das 9h30 ao julgamento. Foto: Leandro de Santana/Esp. DP.
Começou às 9h15 desta segunda-feira (5), no auditório da Terceira Vara do Júri da Capital, no Fórum Thomaz de Aquino, bairro de Santo Antônio, área central do Recife, o julgamento do comerciante Edvan Luiz da Silva, acusado de estuprar e assassinar a fisioterapeuta Tássia Mirella de Sena Araújo em 5 de abril de 2017. O júri popular, presidido pelo juiz Pedro Odilon de Alencar, tem sete jurados, sendo quatro mulheres e três homens, definidos após sorteio.

O acusado chegou ao local do julgamento encarando os presentes no auditório. Em nenhum momento, abaixou a cabeça. A mãe de Mirella, Suely Araújo, chorou muito quando Edvan entrou no local. Os pais do comerciante também estão no Fórum Thomaz de Aquino e não quiseram falar com a imprensa.

O réu responde por estupro e homicídio qualificado (feminicídio, emprego de meio cruel, recurso que impossibilitou a defesa da vítima e crime cometido para assegurar a ocultação/impunidade de outro crime). Para o julgamento, o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) convocou quatro testemunhas. Não foram chamadas testemunhas de defesa.

Testemunhas
O júri popular, presidido pelo juiz Pedro Odilon de Alencar, tem sete jurados, sendo quatro mulheres e três homens. Foto: Leandro de Santana/Esp. DP.
A primeira testemunha a falar foi uma vizinha que ouviu os gritos de socorro da fisioterapeuta, barulhos de objetos quebrando e agressões. No dia do crime, a mulher, que prediu para que seu nome não fosse divulgao por estar recebendo ameças,  acionou o gerente do edifício e a polícia.

Segundo ela, após o assassinato, várias moradoras do edifício Golden Shopping Home Service, na Rua Ribeiro de Brito, em Boa Viagem, Zona Sul do Recife, onde o crime aconteceu, relataram que já haviam sido assediadas por Edvan na área da piscina do condomínio. A testemunha é paraibana, mas estuda medicina no Recife e, por isso, passava alguns dias no apartamento do namorado, ao lado do de Mirella.

Às 10h30, começou o depoimento da segunda testemunha: o gerente do condomínio, Rogério Onorato. "Fui avisado quando Mirella começou a pedir socorro. Fui até o apartamento dela, chamei, mas ela não respondeu. Olhei pela janela da cozinha do apartamento ao lado e vi o corpo dela no chão. Tentei entrar pela porta, mas senti alguém impedindo a entrada, fechando a porta. Foi quando chamei a polícia", relatou. Segundo Onorato, quando percebeu que havia alguém dentro do apartamento e que havia muito sangue no local, orientou que os moradores ficassem dentro de seus apartamentos até a chegada da polícia.

Após as falas das testemunhas, haverá o interrogatório de Edvan Luiz. Em seguida, haverá o debate entre promotoria e defesa. Cada parte terá até uma hora e meia para expor os argumentos. Depois, poderá haver a réplica para o promotor, que dura até uma hora, e a tréplica para a defesa, com a mesma duração. Em seguida, haverá julgamento pelo Conselho de Sentença. 

Por volta das 11h30, a terceira testemunha convocada pela acusação prestou depoimento. A arquiteta Maria Regina Cavalcanti, amiga de Mirella, falou que estava representando todas as amigas da vítima. Segundo a testemunha, todas eram próximas e ela teria sido a última pessoa com quem Mirella conversou, na noite anterior ao crime. A arquiteta chorou ao lembrar as características da amiga e ao dizer que a fisioterapeuta sempre tinha um sorriso no rosto. "Mirella era vida dentro de cada um de nós. Hoje, temos uma parte morta aqui dentro", afirmou. "Ela era dona de si, dona do corpo dela. Sabia que homem nenhum poderia determinar o que uma mulher deve ou não fazer", completou.  

Além dos depoimentos presenciais, a acusação exibiu três depoimentos em vídeo. O primeiro foi de Nelter Queiroz, namorado de Mariana e vizinho de Mirella. O segundo foi exibido com falas do pai de Mirella. Na peça, Wilson Araújo afirma que a filha estava em um período de ascensão profissional, com viagens frequentes para São Paulo. Por esse motivo, ela havia se mudado para um endereço mais próximo ao aeroporto e saiu da casa dos pais pela primeira vez. "Ela morava no flat desde fevereiro (o crime aconteceu cerca de dois meses depois da mudança). Quase não ficava em casa por causa das viagens a trabalho", afirmou. Após as sucessivas viagens, ela conseguiu passar alguns dias em casa. Foi quando o crime ocorreu.

O terceiro vídeo, exibido por volta das 12h20, mostrou um depoimento da mãe de Mirella, Suely Araújo. Segundo ela, Mirella havia recebido uma proposta para trabalhar em São Paulo. "Depois da morte, soubemos que ela estava conhecendo um rapaz lá, que iriam iniciar um namoro", contou. “Ela estava no auge da vida. Chegou onde queria. Infelizmente, a vida dela foi interrompida brutalmente. Era uma pessoa amiga, dinâmica, não tinha medo de nada. Onde ele chegava conseguia fazer amizade, sempre muito querida”, completou.

Suely relatou ainda que, quando estava em um shopping do Recife, foi abordada por um homem que disse ser irmão de Edvan. Com tom sarcástico e falando próximo ao rosto da mãe de Mirella, ele teria dito que o irmão estava sofrendo, assim como a família do comerciante, e chorava na prisão. Após a exibição do vídeo com a fala da mãe da vítima, o juiz Pedro Odilon de Alencar comunicou um intervalo de 40 minutos. O julgamento deve ser retomado por volta das 14h.

Defesa

Foto: Leandro de Santana/Esp. DP.
Em entrevista antes do início do julgamento, o advogado de Edvan, Rawlinson Ferraz, disse que a tese da defesa é de negativa de autoria. "Edvan sustenta que não fez isso e tecnicamente vamos discutir as provas do processo e exercer o direito constitucional de uma ampla defesa e eficiente, como a lei determina. A acusação está no direito dela, de levantar uma série de provas, e a defesa vai fazer o contraponto. É extremamente constitucional o exercício pleno da defesa. É um processo emblemático, em que se perderam dois jovens, mas vamos fazer aqui uma defesa à altura do caso. Ele conta que estava em casa, dormindo, e nega a autoria. Não convocamos testemunha porque tem que ser testemunhas do fato e, infelizmente, nesse caso não há testemunha presencial", afirmou. 

Acusação

De acordo com o promotor de Justiça Antônio Arroxelas, responsável pela acusação, o MPPE vai trabalhar, como fez na instrução processual, para que o comerciante seja penalizado. "A instrução processual tem como base um inquérito (policial) muito bem feito. O acusado nega a autoria, mas, na minha visão, isso é praticamente impossível, o que dificulta o trabalho da defesa, pois temos laudos técnicos e periciais dando conta de que ele esteve no apartamento no momento em que ela foi morta, consequentemente, é o autor", pontou.

Arroxelas informou que há comprovações das impressões semelhantes à impressão digital do pé dele no apartamento; laudo pericial comprovando matéria orgânica dele nas unhas da vítima; cabelo dele na mão de Mirella; camisas com sangue da vítima; laudo comprovando limpeza por esfregamento do sangue da vítima do apartamento da vítima até o apartamento dele; comprovação do sangue da vítima no banheiro do apartamento dele; mordida humana no corpo de Edvan. "São inúmeras provas técnicas. Temos vários laudos periciais comprovando isso. Estamos acusando por estupro e homicídio com qualificadoras, que são meio cruel, pois a vítima foi esgorjada; impossibilidade de defesa da vítima e feminicídio", disse.

Segundo o promotor, foram convocadas como testemunhas o gerente do prédio; a vizinha que ouviu os primeiros gritos; uma pessoa que também foi vítima de violência praticada por Edvan e uma amiga de Mirella. "Essa amiga tem informações importantes sobre a conduta dele em relação ao comportamento no prédio, assédio", adiantou. A expectativa de Arroxelas é de que o julgamento seja encerrado ainda nesta segunda-feira.

Família
Wilson e Suely, pais de Tássia Mirella, no julgamento. Foto: Leandro de Santana/Esp. DP.
 O pai de Mirella, o professor Wilson Pacheco Araújo, disse que o momento do julgamento e toda a semana foram muito difíceis para a família. "Passa um filme na nossa cabeça. A nossa expectativa é que a justiça seja feita. Chegou a hora de a justiça da Terra punir a pessoa que teve a coragem de praticar um crime cruel como esse. É a primeira vez que ficaremos frente a frente com ele, mas estamos preparadados. A presença dele não vai nos enfraquecer. A gente tem pedido muito a Deus que esse momento nos fortaleça e que a gente fique firme para enfrentar mais essa batalha", comentou.

Feminicídio
Mirella, natural de Vitória de Santo Antão, formou-se em fisioterapia no Recife. Foto: Leandro de Santana/Esp. DP.
A fisioterapeuta foi encontrada morta na manhã do dia 5 de abril de 2017, na sala do flat onde morava, no 12º andar do edifício Golden Shopping Home Service, na Rua Ribeiro de Brito, em Boa Viagem, Zona Sul do Recife. Vizinhos disseram que, por volta das 7h, ouviram vários gritos e acionaram o funcionário do prédio, que chamou a polícia. O corpo da vítima foi encontrado na sala do imóvel sem roupas e com ferimento à faca no pescoço, além de cortes nas mãos. Mirella, natural de Vitória de Santo Antão, Mata Sul do estado, formou-se em fisioterapia pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e trabalhava como vendedora produtos hospitalares.

Entre os dedos dela, havia fios de cabelo do vizinho, Edvan Luiz. Debaixo da unha, a perícia também identificou pele com material genético do suspeito, que morava no apartamento em frente ao dela. Na porta e no banheiro da casa dele e em duas camisetas, foi encontrado sangue da vítima. O comerciante foi preso em flagrante e indiciado por estupro e homicídio quadruplamente qualificado.

Na época, de acordo com a polícia, Edvan apresentou contradições sobre onde estava no momento do crime. Disse que estava em um bar no horário, mas depois mudou a história e disse que estaria em um posto de gasolina. Antes do depoimento oficial, ele foi encaminhado - algemado e com uma touca ninja (balaclava) - ao Instituto de Medicina Legal (IML), em Santo Amaro, para fazer o exame de corpo de delito. Edvan disse que os arranhões foram causados em uma briga que ele teve com um transeunte e por isso estava com as escoriações.

Em novembro de 2017, a data do assassinato de Mirella tornou-se o Dia de Combate ao Feminicídio. Apesar de a lei de feminicídio (13.104) existir desde 2015 em Pernambuco, a Polícia Civil estadual ainda não registrava ocorrências com o subtítulo feminicídio, o que dificultava o controle de dados sobre o crime e a implementação de políticas públicas. Homicídios têm a pena de 6 a 20 anos de prisão. Já o feminicídio tem pena prevista de 12 a 30 anos. 

Cronologia do crime

5 de abril de 2017
- Tássia Mirella é encontrada morta em sua residência, em Boa Viagem

5 de abril de 2017 - Edvan Luiz é preso pela polícia, como suspeito de ter assassinado a fisioterapeuta

12 de abril de 2017 - Edvan é indiciado pela polícia por homicídio triplamente qualificado e estupro

26 de abril de 2017 - MPPE denuncia formalmente Edvan pela morte de Tássia Mirella

Setembro de 2017 - Justiça decide que Edvan vai à júri popular

Setembro de 2017 - Feminicídios passam a ser tipificados oficialmente pela SDS

14 de novembro de 2017 - Data da morte de Tássia Mirella se torna Dia Estadual de Combate ao Feminicídio

3 de junho de 2019 - TJPE finalmente decreta data do julgamento de Edvan Luiz

5 de agosto de 2019 - Começa o julgamento de Edvan Luiz
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