A tragédia do Edifício Wilton Paes de Almeida, que desabou em São Paulo, reacendeu o alerta para a realidade de construções sem uso social, que trazem prejuízos estéticos, financeiros e habitacionais para a urbe. Em Pernambuco, esse debate já estava aquecido por causa da queda do telhado de um casarão na Rua da Glória, no Centro da capital, que deixou três feridos e desalojou 26 pessoas.
Há dois cenários comuns quando o assunto são edificações abandonadas. Um deles é o de edifícios que tiveram as obras interrompidas e jamais retomadas. Nos últimos cinco anos, foram realizados dois levantamentos da quantidade de imóveis nessa situação no Recife. O último deles, de 2016, contabilizou quatro dezenas de prédios. “São ruínas prematuras que têm como problema imediato a interrupção da função social da propriedade, do terreno e da arquitetura”, explica o professor colaborador do programa de pós-graduação em Desenvolvimento Urbano da UFPE e arquiteto e urbanista da Fundação Joaquim Nabuco Cristiano Borba. Entre os prejuízos agregados a esses esqueletos urbanos está a proliferação de áreas insalubres que facilitam o aumento de pragas urbanas e fomentam a especulação imobiliária.
“Muitas vezes, o proprietário fica guardando o imóvel como um banco, esperando uma mudança econômica para lucrar com ele”, ressalta Cristiano Borba. O professor afirma que essa é uma situação mais fácil de resolver do que a dos imóveis que se enquadram no segundo cenário, que foram finalizados e abandonados depois de um tempo de uso.
Nos últimos três anos, pelo menos dois esqueletos foram recuperados - um de 15 pavimentos, na Avenida Rui Barbosa, e outro de 16 na Agamenon Magalhães. Mas há prédios que acumulam entulhos e matagal. Casos emblemáticos estão na Agamenon Magalhães, na altura do viaduto da Avenida João de Barros, e entre as Ruas da União e da Saudade.
“Meu padrasto tomava conta daqui quando a obra foi interrompida. Ficamos morando no primeiro andar do prédio, sem água nem energia elétrica, e depois construímos nossa casa. Hoje, já temos o direito sobre essa parte do terreno, mas não sabemos o que fazer com esse prédio”, diz Andrea Góes. Segundo ela, há anos ninguém da construtora procura a família.
Para Cristiano Borba, o ideal seria fazer um mapeamento na cidade dos edifícios sem uso social para mitigar o déficit habitacional. “Um levantamento que trouxesse não só a localização, mas informações sobre dívidas, propriedade, IPTU, seria importante para a política de planeamento urbano. Principalmente de requalificação do centro”, opina.
“Não temos dúvida que o poder público, em suas diversas esferas, de alguma forma permite que isso se perpetue, sem uma ação enérgica e eficiente. Lembremos que muitos dessas edificações pertencem ao poder público”, ressalta.
O CAU enumera algumas ações que podem surtir efeito. Entre elas, a obrigatoriedade de propriedades federais e estaduais obedecerem ao regramento urbano municipal, e a implantação do IPTU pro gressivo para estimular ocupação de áreas centrais. Para Tenório, somente coordenando, de forma criativa e inteligente, políticas de financiamento, de acesso ao crédito, tecnologia e soluções inovadoras de projeto, será possível mudar o atual cenário.
O professor e arquiteto Roberto Salomão, conselheiro federal do CAU por Pernambuco, sugere a liberação de linhas de crédito para reabilitação de imóveis em áreas centrais, com suporte do Ministério da Cidades e da Cultura, Iphan, bancos públicos e privados; e a possibilidade de leiloar bens públicos nessas regiões para fins de moradia acessível.