Vida Urbana

Um culto vivo na periferia de Olinda

Terreiro de Santa Bárbara, que mantém tradições da Nação Xambá, busca recursos para requalificação

Apesar de extinto em alguns lugares do Brasil, o culto à Nação Xambá está vivo e ativo em Olinda. No bairro de São Benedito, a comunidade Portão do Gelo é reconhecida desde 2006 como único quilômbo urbano no Nordeste e um dos três do país. No mesmo local fica o Terreiro de Santa Bárbara, considerado um dos mais antigos do Brasil.

Há oito anos, o babalorixá pai Ivo de Xambá lutava para que o terreiro passasse a responder por pessoa jurídica. Em dezembro passado, conseguiu a regulamentação, o que facilitará o acesso para a busca de financiamentos em instituições bancárias e junto ao governo. O terreiro precisa ser reformado, mas a comunidade não tem recursos. “Precisamos suspender o piso porque, quando chove, as salas ficam alagadas”, explicou. Um projeto para reforma já foi apresentado à prefeitura e aguarda a aprovação do Conselho de Preservação da Secretaria de Patrimônio. A obra deve custar R$ 1,5 milhão. Doações podem ser depositadas na conta corrente 010.6979-5, agência 4890-9 do Banco do Brasil.

No Brasil, há 2.431 comunidades quilombolas. Em Pernambuco, são 130 reconhecidas e dez em processo de reconhecimento. Segundo o Censo do IBGE de 2010, 6.693 pessoas declararam ser ligadas ao candomblé no estado, mas o número pode ser maior. “As pessoas têm medo e vergonha de dizer. Tem muita gente que vem ao terreiro, mas mantém outra religião”, explicou Pai Ivo, o estivador aposentado Adeildo Paraíso da Silva, 63, responsável pela comunidade. Diariamente, o terreiro abre as portas para receber quem quer ajuda. Gente como Naria da Conceição Silva, que frequenta a casa desde menina, levada pela mãe. Uma vez por mês, a casa realiza rituais de toque de atabaque para reverenciar os orixás.

Filhas de santo participam de rituais e ajudam a manter o terreiro na comunidade de Portão de Gelo. Foto: Paulo Paiva/DP

Os cultos são realizados a partir das 16h e abertos aos filhos de santo e convidados. Durante a celebração é servido café e mungunzá. Não se toma bebida alcoólica. Ao som de  ritmos africanos, os integrantes dançam em uma roda. Durante o toque também é proibido fotografar. Ultimamente, o terreiro tem encerrado a festa por volta das 20h. “É para não seremos acusados de perturbação de sossego. É injusto, porque ninguém reclama com o padre nem com o pastor por tocarem sinos das igrejas”, diz Pai Ivo.

 

O terreiro tem função social. Independentemente da religião, acolhe a comunidade. Em Xambá, no dia 13 de maio, a casa estará aberta para a campanha de vacinação contra a gripe em crianças e idosos. “Será num sábado. Vamos atender a todos que nos procurarem para receber a vacina”, garantiu pai Ivo.

Chegada a Pernambuco há 97 anos

Os cultos da tradição Xambá foram trazidos ao Recife pelo babalorixá Artur Rosendo nos anos 1920. Pai Ivo conta que seus ancestrais foram bastante perseguidos até o terreiro se instalar definifivamente em Olinda, em 1951. “Nosso povo habitava a região ao norte dos Ashanti e limites da Nigéria com Camarões, nos montes Adamaua, no Vale do Rio Banué. Todos nós viemos a esse país na condição de escravos. Não éramos escravos, mas fomos escravizados. Foi o candomblé que ressocializou o negro na sociedade brasileira”, diz.

Artur Rosendo veio de Maceió para a capital pernambucana fugindo da repressão policial às casas de culto afrobrasileiro. Em 1923, instalou-se numa casa na Rua da Regeneração, em Água Fria, onde iniciou muitos filhos de santo.

O babalorixá lembra que a repressão policial da Ditadura Vargas fazia com que os cultos acontecessem a portas fechadas. “Em 1938, o terreiro foi fechado, mas após a redemocratização em 1945, ocorreu a reabertura das casas. Com o falecimento de Artur Rosendo em 1950, a maioria das casas Xambá se fundiu com as da Nação Nagô, com exceção do terreiro de Santa Bárbara”, explicou.

Após a morte de Artur Rosendo, Severina Paraíso da Silva, a Mãe Biu, assumiu o comando do terreiro até sua morte em 1993. Seu filho, Pai Ivo, passou a administrar a casa. Nesses anos, o babalorixá tentou preservar o culto aos orixás, mantendo a tradição do povo Xambá.

Em 2002, foi criado o Memorial Severina Paraíso da Silva, um pequeno museu que guarda objetos usados pela mãe de santo, num puxadinho nos fundos da área do terreiro.

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