Vida Urbana

Como fazer uma criança doente sorrir? Eles têm a resposta

Em Pernambuco há 12 anos, a organização Doutores da Alegria leva palhaços para divertir crianças hospitalizadas

A atriz Tâmara Floriano e o ator Marcelino Dias são os palhaços Doutora Tanan e Doutor Micolino. Foto: Rodrigo Silva/Esp DP/D.A Press

Era uma paciente chamada Lohane. Ela estava olhando para a janela do hospital e a vista dessa janela é para o cemitério. Me chamou para olhar e perguntou se eu sabia o que tinha lá. Fiquei logo receosa, achando que sabia o que ela ia dizer. Então ela respondeu: ‘frutas!’, apontando para uma árvore.” A história é narrada em um corredor do Hospital Oswaldo Cruz pela atriz Tâmara Floriano, que nos corredores do setor oncológico é conhecida como Doutora Tan Tan. Ela faz parte do projeto Doutores da Alegria, organização sem fins lucrativos que leva artistas profissionais para dentro de hospitais, a fim de alegrar o período de internação das crianças. “O bom de trabalhar com crianças é que eles sempre surpreendem, então é sempre especial. Mas este momento marcou”, conta.

[SAIBAMAIS]Tâmara faz dupla nas visitas com o ator Marcelino Dias – para as crianças, o Doutor Micolino. Enquanto os dois falam sobre o trabalho escolhido, precisam ficar atentos a quem passa no espaço - haviam retirado os narizes de palhaço para a entrevista, porém os pacientes devem sempre ver os dois caracterizados. “Tá escondendo o rosto, Micolino? Passa lá no quarto depois!”, pede uma criança que espia os atores quando a porta do elevador é aberta. A cena se repete durante toda a conversa e durante a visita na enfermaria: não apenas os pequenos pacientes, mas as mães que os acompanham e a equipe médica se divertem com a presença dos doutores-palhaços.

As visitas, em cada hospital, acontecem duas vezes por semana. Durante a que o Diario acompanhou, na manhã da quinta-feira, não era difícil presenciar amostras da delicadeza necessária para o trabalho: nos quartos visitados, sempre com três leitos, nem todas as crianças podem brincar. Enquanto umas ficam mais agitadas, dançam nas camas e contam piadas, outras precisam repousar ou ainda são muito pequenas e não estão costumados com a situação. “Por isso a gente procura construir uma relação com os pacientes e equipe médica. A gente respeita o espaço de cada um, aparece com cautela, e vai construindo. A gente tenta ver o lado saudável e lúdico de cada um e cria laços de amizade”, diz a atriz.

Joyce Maria, de 13 anos, guarda no celular uma foto do primeiro encontro com os Doutores da Alegria. Foto: Rodrigo Silva/Esp DP/D.A Press

Cada dupla de atores permanece por um ano em cada hospital. Uma prova dos laços formados foi a encenação de casamento de Dra. Tan Tan com Allison, um dos jovens pacientes: houve até uma disputa para saber quem seria a noiva com uma das médicas da equipe, enquanto várias funcionárias olhavam a cena pela janela de vidro da enfermaria. Para Joyce Maria, 13, que desde antes da entrada do par em seu quarto já sorria ao vê-los pelo corredor, a presença de Doutor Micolino e Doutora Tan Tan é garantia de um dia mais alegre. “Eles são muito engraçados, fazem palhaçadas. Foi muito divertido quanto teve a votação para saber quantos pares de sapato uma das médicas tinha. Por enquanto a gente acha que é 80.” Ela conta que havia tido contato com outros palhaços na sua cidade natal, Pedra, no Agreste pernambucano, mas que na primeira vez que recebeu a visita do grupo no hospital ficou “meio envergonhada”.

A mãe de Joyce, Maria da Conceição, explica que a filha estava debilitada na primeira vez que recebeu uma visita dos Doutores. “Ela estava sentindo muita dor, então não brincou tanto, mas eles fizeram um bloco de carnaval pelo hospital, as crianças foram atrás, tudo muito divertido. As crianças ficam mais alegres quando eles estão aqui.” Joyce guarda no celular uma foto que tirou com outro doutor da alegria, o Dr. Eu, durante a festa carnavalesca.

Há 12 anos em Pernambuco

Os Doutores da Alegria são uma organização da sociedade civil que faz visitas contínuas a hospitais. Existem há 23 anos no Brasil, com presença no Recife há 12. Marcelino Dias ajudou a fundar a ONG na capital pernambucana e faz parte da equipe de palhaços desde a sua fundação. A organização também possui um Programa de Formação em Palhaço para Jovens. “É uma seleção criteriosa. Quando abriu aqui na cidade, foram selecionadas 40 pessoas para uma oficina, 12 para o teste, e seis foram escolhidos para serem palhaços. Todos precisam ter formação artística profissional”, conta Marcelino Dias. “É muito gratificante a possibilidade de levar arte para um local tão necessário e saber que, de alguma forma, nossa visita faz diferença para crianças em momentos adversos.”

Os funcionários dos hospitais também aproveitam as visitas dos Doutores para se divertirem. Foto: Rodrigo Silva/Esp DP/D.A Press

As visitas dos palhaços são gratuitas para as instituições médicas, mas o projeto, que não é voluntário, é mantido por doações de empresas e pessoas físicas. “É interessante inclusive para nossa formação artística, como palhaço, porque por meio do projeto nós estamos inseridos num contexto fora do palco, fora do teatro, temos que lidar com um ambiente que não é nosso”, opina Tâmara. Atualmente os Doutores fazem visitas semanais a quatro hospitais do Recife: Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip), Hospital Barão de Lucena, Hospital Oswaldo Cruz/Procape e Hospital da Restauração.

Como contribuir

Empresas e pessoas físicas podem fazer doações. Para as pessoas físicas, é possível se tornar “sócio da alegria” com a contribuição mínima de R$30 por mês. É possível ainda fazer uma doação única sem valor mínimo. Todas as informações estão no site do grupo.

No Recife, equipes dos Doutores da Alegria estão promovendo uma campanha de financiamento coletivo para estruturar a nova sede da ONG, localizada no Recife Antigo. As contribuições para a reforma do local, que recebe reuniões do grupo mas que deve ser aberto também para estudantes e apoiadores, podem ser realizadas através do Kickante. É possível contribuir até o dia 3 de outubro, com valores que vão de R$15 a R$500, com recompensas diferentes para cada valor pago.

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