Vida Urbana

Comunidade se une para ajudar criança que nasceu com má formação no sistema excretor

Grupo voluntário surgiu inspirado na história de um casal de catadores de lixo que adotou a criança

A família depende de ajuda para manter o tratamento do filho adotivo. Foto: Reprodução/TVClube.

A dificuldade em conseguir um acompanhamento médico contínuo nos pequenos hospitais da cidade de Carpina, na Zona da Mata do Estado, levou um grupo a unir esforços para ajudar a quem precisa. Situações difíceis, como a de uma criança de um ano, que nasceu sem o órgão genital e sem anus, comove a comunidade que arrecada doações e auxilia no transporte da criança para consultas médicas.

Criado no dia três de março, data em que ficaram sabendo do caso, o grupo Reino do Bem vem acompanhando a família, que já vivia em situação precária antes da chegada da criança. O casal de catadores de lixo acolhou o sobrinho-neto que não podia ser criando pela mãe, que é usuária de drogas.

"Acompanhei de perto a gravidez e a mãe não tinha condições de ficar com ele. Fiquei receosa com o tratamento que ela dava e por isso ofereci ajuda. Mas aos poucos ela foi deixando de visitar, de ligar, e eu já tenho ele como filho", conta a tia-avó, que precisou parar de trabalhar e estudar para cuidar do menino. "Eu não tive condições de estudar. A minha infância foi trabalhando. Então fui para a escola adulta. Fazia um curso à noite e trabalhava de dia. Mas agora preciso cuidar dele e parei", lamenta.

Contando apenas com a renda que o marido consegue com a reciclagem de lixo, a família tem dificuldade em comprar pomada, roupas e até alimento para a criança que nasceu com má formação no sistema excretor. Sem o órgão sexual, nem ânus, exames de DNA comprovaram o sexo masculino e logo depois do nascimento foi necessário fazer um pequeno buraco abaixo da barriga, de onde saem urina e fezes. Por conta do caso difícil, o menino sente dores e preocupa. "Às vezes ele se contorce todo. Eu sei que é dor, mas não tenho o que fazer. Ele já fez três cirurgias e nenhum médico dá um diagnóstico certo", diz a mãe adotiva.

Comovida com a história, a comunidade do Bairro Novo, em Carpina, passou a fazer doações e buscar mais pessoas que pudesse ajudar. "O que mais me chocou foi perceber como a desigualdade social está tão próxima. E tem se tornado algo tão comum que nem chega a ser notado pela sociedade", destaca o servidor público Hugo Danilo, um dos organizadores do movimento Reino do Bem, que surgiu para judar essa e outras famílias em situação parecida.

O grupo, que tem mais de 70 pessoas em um aplicativo de mensagens instantâneas, aos poucos foi arrecadando fraldas, pomadas, gaze, roupas, alimentos e brinquedos. Tocados pela história vários outros grupos também surgiram para ajudar o tratamento e auxiliar a família. Hoje já é possível fazer estoque de alguns itens, e por isso o grupo separa por data de validade e organiza as doações.

A situação de Lígia e José comoveram a comunidade em que eles moram. Catadores de lixo, a casa concentra materiais recicláveis, que prejudica a higiene no local. Foto: Cortesia.

A falta de um médico que acompanhe o caso é um dos maiores problemas encarados pela família. A criança recebia tratamento no Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip). Mas com a distância de 40km para o Recife, o menino chegou a perder consultas agendadas por não ter transporte. "Nem sempre a gente tinha condições de ir. Então aparecia alguém que ajudava. Ou conseguiam um carro ou então juntava dinheiro com quem ajudava e alugava um carro", conta o tio-avô da criança.

Com a divulgação e o apoio do grupo e de pessoas dos bairros vizinhos que ajudam de forma independente, a história comoveu a administração do Hospital Português que ofereceu uma consulta gratuita nesta terça-feira com o cirurgião urologista Adriano Calado, que preferiu não dar entrevista.

Segundo a assessoria de imprensa da unidade de saúde, foi feita uma primeira avaliação e alguns exames foram solicitados. "Ainda pedimos um parecer com um cirurgião pediátrico que no momento está viajando. No momento em que ele voltar, haverá um novo encontro", garantiu o RHP.

Sem a aguarda provisória da criança, a mãe adotiva conta com a ajuda do grupo para conseguir a documentação e facilitar o tratamento. "O trabalho do Reino do Bem é ajudar na socialização daqueles que são esquecidos. Mas em casos que necessitam, também atuamos de forma emergencial. Já estamos com uma advogada voluntária que entrou com o pedido da guarda provisória. Além disso, solicitamos junto ao INSS o auxílio que ajudaria a família", informa Hugo.

Inspirados no caso do menino, o grupo criou uma página no Facebook para divulgar como ajudar. "Acreditamos que ter condições de se manter seja questão de dignidade", pontua.

*O Diario não divulgou os nomes da família para preservar a identidade do menor, como prevê o Art. 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei 8069/90.

Leia a notícia no Diario de Pernambuco
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