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Doença de Batten é rara e compromete a parte motora e cognitiva das crianças

Exclusivamente associada à velhice, a demência também pode aparecer em crianças. Esse é um dos quadros da Doença de Batten, também conhecida como CLN2, e um dos 14 tipos conhecidos de Lipofuscinose Neuronal Ceróide (CLN, sigla em inglês). É uma das doenças mais raras conhecidas, que tem acomete um a cada 200 mil nascidos vivos. A causa é um gene defeituoso, incapaz de produzir as proteínas necessárias. Sem elas, as céluas não funcionam corretamente e o resultado é um quadro, por si só surpreendente, mas que ganha ainda cores mais fortes por aparecer em crianças a partir de dois anos de idade: danos cerebrais, epilepsia, cegueira e perda das funções motoras, além da já citada demência.

O drama para as famílias é que a criança apresenta um desenvolvimento normal até começar a regredir. "É raro uma criança apresentar um quadro demencial, mas pode acontecer. Ela começa a não reconhecer mais os pais, cai com frequência, apresenta problemas na linguagem e convulsões. Pode-se dizer que a criança vai ficando mais 'bobinha'", explica o neuropediatra do Hospital das Clínicas de Pernambuco, Lucas Alves.

O diagnóstico normalmente é tardio, pois os primeiros sintomas induzem a outros problemas, como epilepsia ou algum distúrbio fonológico. Até se chegar ao resultado definitivo muito tempo se perde. E nesse caso, um tempo que não volta, pois os danos cerebrais são irreversíveis, como acontecem com doenças progressivas e degenerativas. "O cérebro vai atrofiando e pode levar à cegueira, retardo mental e alterar toda coordenação e equilíbrio, levando o paciente a não conseguir mais andar", explica Lucas.

Filhos de casal em que tanto o pai como a mãe carregam essas alterações têm 25% de chance de desenvolver a CLN2. Há, ainda, 50% de chances de a criança herdar o gene anormal apenas de um progenitor, ser um portador e não ser afetado pela doença. Durante a gestação é possível fazer um exame genético para detecção do gene defeituoso, mas ele só é indicado para quem tem casos na família. "Tenho uma família de Petrolândia com três irmãos que têm essa doença. Por isso é importante um aconselhamento genético", diz o Lucas, lembrando que um casal que possui um filho com Batten tem 25% de chance de ter outro com a mesma doença.


Como não há cura para a Doença de Batten, o trabalho da medicina é desacelerar o processo degenerativo. O problema é que a ferramenta principal é praticamente inacessível. O medicamento utilizado é o Brineura, cuja caixa com duas ampolas custa entre R$ 130 e 150 mil. sua administração é feita diretamente no cérebro através de um cateter uma vez a cada 15 dias.

"Esse medicamento, já se mostrou capaz de desacelerar a doença, entretanto não é um tratamento de cura, apenas permite que a criança tenha uma progressão lenta da doença", explica o neuropediatra Alexandre Fernandes, que atende crianças com esse problema no Rio de Janeiro. Além disso, como lembra o médico Lucas Alves, do Hospital das Clínicas de Pernambuco, os efeitos colaterais são muitas convulsões.

Para tentar o medicamento, muitas famílias que não têm condições tentam duas vias: Justiça e doações. A primeira, não há relatos de um desfecho que garanta o fornecimento. A segunda é a consequência da primeira. Para correr contra o tempo, muitos pais mantêm campanhas de doação pela internet.

Enquanto o tratamento mais eficaz no momento não é universalizado, os pacientes ficam a cargo de equipes multidisciplinares, incluindo fisioterapeutas, psicólogos, psiquiatras, oftalmologistas, além do onipresente neurologista. 
 
TRÊS IRMÃOS

A vida da família de Rosilda Maria da Silva, 37 anos, mudou completamente há sete anos, quando sua filha mais velha, Stefany, hoje com 14, começou a apresentar os primeiros sintomas da Doença de Batten. As crises convulsivas a levaram ao Imip (Instituto Materno Infantil de Pernambuco), onde o neuropediatra Lucas Alves solicitou o exame para a Lipofuscinose - como a enfermidade também é conhecida.

O diagnóstico positivou levou os outros dois irmãos, Adrian e Ayslam à mesma investigação quando os sinais chegaram aos seis e oito anos, respectivamente. Com o resultado positivo para os três, Rosilda, que trabalhava como vendedora autônoma; e seu marido, precisaram dedicar-se integralmente às crianças. Essa nova rotina inclui, além dos cuidados e exercícios que precisam ser feitos em casa, uma série de idas e vindas ao Recife, onde eles fazem exames e sessões de terapia para retardar ao máximo o avanço da doença e adaptarem-se à nova realidade.

"A cada três meses nós vamos ao Imip para a consulta com o neurologista. Com o oftalmologista eles vão a cada 15 dias na Fundação Altino Ventura para aulas de Braille. A fisioterapia é no hospital Maria Lucinda, mas estamos tentando trazer para Arcoverde", diz a mãe, que relata, em alguns momentos ter sido necessário viajar duas vezes para a capital. Petrolândia fica a 404 km do Recife.

A redução da capacidade visual é o que mais chama a atenção. Stefany já lê em Braille. De acordo com a mãe, a adolescente só consegue distinguir a claridade da escuridão. "Adrian esquece as coisas, ele sabia escrever o nome e agora não sabe mais. Não consegue decorar o alfabeto. Ayslam consegue ler, mas com as letras ampliadas", conta.

A família vive atualmente da renda do auxílio-doença dos dois filhos mais velhos. Eles tentaram receber o mesmo benefício também pelo caçula, mas foi negado, inclusive pela Justiça, sob alegação de que dois já haviam sido concedidos. A mãe não sabe que o Brineura, medicamento utilizado para retardar o avanço, já está disponível no Brasil. Os irmãos fazem uso de Carbamazepina, um remédio usado para crises de epilepsia. "Quem tem mais crise convulsiva é o Adrian. Se ele não tomar de manhã já apresenta. Stefany só tem se parar o medicamento e o Ayslam também".

SINAIS E SINTOMAS

Os primeiros sintomas da CLN2 são o atraso da linguagem e as crises epilépticas seguidos por perda de habilidades motoras e cognitivas já adquiridas. Contudo, há sintomas específicos de acordo com cada faixa etária:

- Entre 1 e 4 anos: a principal manifestação inicial é o atraso na linguagem. No entanto, a epilepsia e a regressão neurológica também fazem parte desta fase.

- Entre 3 e 5 anos: há piora da regressão neurológica, da epilepsia (que torna-se refratária) e também há ataxia e distonia (contrações musculares involuntárias, que podem provocar movimentos e posturas anormais do corpo ou de um segmento dele).

- Entre 5 e 6 anos: a criança pode parar de falar, de andar e inicia o uso de cadeira de rodas.

- Entre 7 e 8 anos: fica mais evidente o quadro de demência, espasticidade (alteração no tônus muscular) e perda da visão.

- Entre 8 e 12 anos: a criança pode já estar acamada, com perda de visão e epilepsia refratária.

Em alguns casos, os sinais clínicos são sutis, com mudança da personalidade e de comportamento e aprendizagem lenta. 

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