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Doria repete Bolsonaro e interfere em conselhos de participação civil em SP

Publicado em: 05/07/2019 13:21

Wilson Dias/Agência Brasil
De modo mais discreto do que no governo federal, conselhos de participação social também viraram alvo de mudanças e interferências no estado de São Paulo, sob a gestão de João Doria (PSDB), postulante ao Palácio do Planalto em 2022.

Os grupos têm a participação de membros da sociedade, são ligados a órgãos da administração pública em diferentes áreas e têm como objetivo ajudar o estado na execução e fiscalização de políticas.

Sob críticas, o governo Doria modificou a composição do Consema (conselho de meio ambiente) e comprou uma briga judicial –da qual saiu vitorioso– para mexer no Condephaat (patrimônio histórico).

Em outro front, tramita na Assembleia Legislativa um projeto do deputado estadual Frederico d'Avila (PSL) para alterar as cadeiras do Condepe (direitos humanos), com tendência de apoio do PSDB.

No âmbito nacional, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) formulou decreto para eliminar uma série de colegiados –medida que acabou sendo parcialmente barrada pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

O decreto colocou sob risco comissões e conselhos que tratam, por exemplo, de enfrentamento ao tráfico de pessoas e combate à violência sexual contra crianças e jovens.

Tanto em Brasília quanto em São Paulo, na opinião de membros dos colegiados e de pesquisadores de democracia participativa, as iniciativas indicam uma tendência de autoritarismo e um movimento para dificultar a participação popular sob o pretexto de desburocratizar a gestão.

Em São Paulo, no caso do Consema, a mudança se deu no contexto da reforma administrativa feita por Doria no início do mandato. Ele uniu a pasta de Meio Ambiente a outras ligadas a saneamento e energia, dando origem à Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente, chefiada por Marcos Penido.

Ambientalistas torceram o nariz para o que avaliaram como um conflito de interesses.

Com a fusão, o Consema passou a ser presidido por Penido. "Há um problema claro", diz a professora Patricia Bianchi, integrante do conselho em segundo mandato.

"Agora os órgãos concentram tanto demandas por licenciamento quanto o poder de autorização. Uma mesma pessoa, no caso o secretário, pode representar o licenciado, o licenciador e o fiscalizador", diz a consultora ambiental.

Outra mudança foi a retirada da CBRN (Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais) da lista de organismos estaduais com direito a assento no Consema.

A CBRN deixou a composição do colegiado após um decreto de Doria que transferiu as atribuições do órgão de biodiversidade para a Secretaria de Agricultura e Abastecimento, decisão também atacada por defensores do verde.

No episódio do Condephaat, que trata do patrimônio histórico, o tucano agiu para diminuir o peso dos representantes das universidades estaduais. O Ministério Público refuta a medida e aguarda decisão em segunda instância.

Até agora, o resultado judicial é favorável a Doria, que nomeou os novos componentes neste mês –entre os titulares, não há nenhum historiador, conforme noticiou a Folha de S.Paulo.

Antes da revisão, eram 12 representantes das universidades, em uma mesa de 30 conselheiros; agora, eles são 4, de um total de 24 membros. Os integrantes ligados a USP, Unicamp, Unesp e Unifesp respondiam pela maior parte do saber técnico no núcleo.

Para a Promotoria, a alteração no Condephaat por decreto é inconstitucional e prejudica a paridade de opiniões, pendendo a favor do governo. Caberá a uma banca de três desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo analisar se o argumento procede.

No caso da reorganização do Condepe, de direitos humanos, a contestação vem de membros do colegiado e de opositores do governo na Assembleia Legislativa.

O projeto de d'Avila, colega de partido de Bolsonaro, propõe colocar policiais como conselheiros no órgão, que apura abusos cometidos por agentes de segurança pública. Além disso, fala em subordinar a comissão, hoje autônoma, ao governo do estado.

A justificativa do parlamentar é ampliar no grupo a presença de membros de órgãos públicos e buscar pluralidade.

"Na prática, ele extingue o Condepe, já que quer reduzir a um o número de representantes da sociedade civil", diz o presidente do conselho, Dimitri Sales. "Se você coloca a maioria [de membros] de Estado, você fulmina a essência do órgão, que é a de permitir o controle pelos cidadãos."

A tendência da bancada do PSDB na Assembleia é votar a favor do projeto de d'Avila.

O deputado diz que conta com o apoio dos tucanos e sustenta que o conselho "é aparelhado pelo PT e pelo PSOL".

A proposta de d'Avila também tem a simpatia de parlamentares da bancada da bala, distribuídos por partidos como PSL, PP e Avante. O texto está na Comissão de Constituição e Justiça.

Deputados de PT, PSOL e PC do B apresentaram um substitutivo (texto alternativo) ao projeto que busca manter a finalidade de acompanhamento das ações estatais pela população paulista.
As propostas ainda precisam ser debatidas e votadas na Assembleia. Por ora, o Condepe mantém a configuração.

"Parece-me que há uma diretriz do governo Doria, que dialoga com o que Bolsonaro tem feito, no sentido de desmontar garantias da Constituição. Esvaziar fóruns de participação é enfraquecer a democracia", acrescenta Sales, que é advogado e doutor em direito constitucional pela PUC-SP.

Carla Bezerra, advogada e doutoranda em ciência política na USP que estuda o tema dos conselhos, também vê alinhamento entre Doria e Bolsonaro nos gestos que precarizam os colegiados.

A especialista faz uma ponderação, contudo: "Os conselhos estaduais sofrem esvaziamento desde a gestão Geraldo Alckmin e têm um espaço menos privilegiado de interlocução, diferentemente do que acontece com os nacionais."

Outro lado
Procurado, o Palácio dos Bandeirantes não respondeu sobre pontos específicos.

Em nota, a gestão Doria disse: "Os conselhos estaduais têm sua composição e funcionamento fixados por decreto do governador. Os colegiados são formados objetivando a eficácia da participação da sociedade no controle social das políticas governamentais e na defesa do interesse público".

O governo afirmou ainda ter criado conselhos pro bono (sem remuneração) "com personalidades de conhecimento notável em áreas estratégicas como educação, saúde, cultura e desenvolvimento econômico, que contribuem para a implementação das políticas públicas".

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