Este país tem se alimentado de grandes escândalos e vergonhas e, na mesma proporção, de enormes equívocos que acabam na conta das babaquices (basbaquices, para os formais) antológicas. O encerramento da exposição Queermuseu, no último domingo, no Santander Cultural de Porto Alegre, foi uma delas. Escrevo sobre o assunto a pedido de pessoas que sabem bem o pecado (ou crime) que é não reconhecer o mais essencial na arte – o direito de expressar-se livremente, sem ter que dar explicações sobre formas, estéticas ou conteúdos, mesmo parecendo eles pouco palatáveis ao gosto comum. Apenas nos tempos mais sombrios da História a ideia de uma arte obediente e submissa foi cultivada e suas sementes, mantidas sob vigilância incansável. Mas não há dúvida de que não se pode decidir o destino delas, pensar assim é uma ingenuidade sem tamanho, digna apenas dos que enxergam o poder como sinônimo de cabresto com o qual imaginam controlar todo o rebanho.
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A arte é livre, rejeita todo tipo de mordaça
Encerramento da exposição Queermuseu em Porto Alegre, pelo banco Santander, segue sendo criticado
Por enquanto, o Brasil parece mesmo ter perdido a capacidade de se indignar contra cafajestices e tolices, permitindo, entre tantos assombros, que o tribunal das redes sociais consiga aproximar perigosamente crítica de censura, palavra que pensávamos sob a lava de extintos vulcões. Seria necessário esclarecer aos condenadores que, neste caso, ninguém estaria obrigado a frequentar a exposição, como de resto, a ler livros, assistir a filmes ou novelas que abordem temas espinhosos (mas reais), pouco indigestos para quem não respeita a diversidade de pensamentos e escolhas sem a qual a vida fica parecendo um amontoado de semelhanças. Se não há dois seres humanos iguais, como querer que milhões tenham o mesmo padrão de pensamento e comportamento? Quando deixamos que a pior das morais, a falsa, se infiltre em terrenos iluminados é porque já não sabemos ou queremos defender a melhor parte de nós, a que estimula reflexões, beleza e humanidades.
Também soa estranho que um banco reconhecido por valorizar e incentivar manifestações artísticas capazes de contribuir para uma melhor compreensão do homem e do mundo no qual ele habita tenha se rendido ao mesmo tribunal, havendo tantos argumentos maiores do que aqueles vomitados pelo conservadorismo incapaz de raciocinar sobre as consequências das próprias reivindicações. É um desastre, ainda mais quando a exposição se destinava a um público adulto, em tese em condições de entender o alerta emitido pelas obras em relação a verdades e realidades incômodas. A arte, afinal, alcança apenas quem pode ou se permite avaliá-la como liberdade e libertação, ao mesmo tempo.