Ainda sobre Jean-Paul Sartre no Recife (65 anos depois)
Marcus Prado
Jornalista
Publicado em: 13/01/2025 03:00 Atualizado em: 12/01/2025 23:42
No artigo publicado nesta página, no último dia 5, sobre a visita do casal de filósofos franceses Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir ao Recife (1960), reservei para hoje um fato relevante: no meio da comunidade universitária de muitos saberes nos campos da filosofia e do ensaio literário, o reitor João Alfredo da Costa Lima, escolhera o professor, escritor e jornalista Nilo Pereira, autor do livro “Dom Vital e a questão religiosa no Brasil” para fazer a saudação ao famoso autor de “O Ser e o Nada”. Sartre veio como convidado da UFPE para abrir o I Congresso Internacional de Crítica Literária, na Faculdade de Filosofia do Recife. (Sartre considerava a literatura como um testemunho, cúmplice, relacionada à condição humana).
Muitos, no auditório do evento, sabendo da trajetória intelectual de Sartre e Nilo, ambos com ideias e crenças totalmente opostas, aguardaram o momento das palavras de Nilo. Sabia-se da sua vocação para a mística católica, era um dos líderes do movimento católico pernambucano que tinha como inspiração o Centro Dom Vital (CDV), uma associação de leigos católicos fundada no Rio de Janeiro em 1922, durante o Estado Novo, pelo advogado e jornalista Jackson de Figueiredo, por iniciativa do então cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Sebastião Leme. Buscava congregar a intelectualidade católica brasileira. Ao longo de sua história, o CDV sempre contou com grandes intelectuais entre seus membros, como Alceu Amoroso Lima, Gustavo Corção, Sobral Pinto, Tarcísio Padilha, Luiz Paulo Horta, Carlos Frederico Calvet e Ricardo Cravo Alvin, o pernambucano de Olinda, Luiz Delgado. Nilo era amigo de todos, com eles mantendo uma constante e afetuosa atividade epistolar. Os ensinamentos dos filósofos católicos Jacques e Raïssa Maritain (ambos rivais da filosofia de Sartre, da mesma geração na Sorbonne) estavam nos anseios e escritos de Nilo. Sabia-se dos seus discursos, livros e escritos apologéticos ao culto mariano, sobre a divindade cristã.
Sartre foi, a vida inteira, um pensador agnóstico, existencialista desgarrado de Søren Aabye Kierkegaard, tinha vontade de ser Deus. Para ele, Deus precisava de aperfeiçoamento, era apenas uma causa entre um emaranhado de outras causas. Como era possível um bárbaro da modernidade, ateu, praticante do casamento aberto, ser saudado por um tomista adepto do Humanismo Integral? Eu não estava perto deles na cerimônia de abertura do Congresso para dar o testemunho das palavras de Nilo, nas suas boas-vindas a Sartre. Muitos disseram que a saudação de Nilo, feita de improviso, num impecável francês, foi para festejar o Recife e a Universidade pela oportunidade de conhecer um dos mais famosos, combatidos e polêmicos escritores da França do seu tempo, citando como exemplo a sua coerência política e filosófica ao recusar o Prêmio Nobel.
Faço este registro, passados exatos 65 anos, para reconhecer no escritor do Ceará Mirim, não só a sua coragem e grandeza, mas sua vontade e gesto de tolerância, tão afim de pessoas sistemicamente e moralmente autônomas. A tolerância, dentro dos limites da reciprocidade, que possui raízes em alguma parte do nosso ser e escapa de cálculos objetivos, praticada voluntariamente e não compelida.
Muitos, no auditório do evento, sabendo da trajetória intelectual de Sartre e Nilo, ambos com ideias e crenças totalmente opostas, aguardaram o momento das palavras de Nilo. Sabia-se da sua vocação para a mística católica, era um dos líderes do movimento católico pernambucano que tinha como inspiração o Centro Dom Vital (CDV), uma associação de leigos católicos fundada no Rio de Janeiro em 1922, durante o Estado Novo, pelo advogado e jornalista Jackson de Figueiredo, por iniciativa do então cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Sebastião Leme. Buscava congregar a intelectualidade católica brasileira. Ao longo de sua história, o CDV sempre contou com grandes intelectuais entre seus membros, como Alceu Amoroso Lima, Gustavo Corção, Sobral Pinto, Tarcísio Padilha, Luiz Paulo Horta, Carlos Frederico Calvet e Ricardo Cravo Alvin, o pernambucano de Olinda, Luiz Delgado. Nilo era amigo de todos, com eles mantendo uma constante e afetuosa atividade epistolar. Os ensinamentos dos filósofos católicos Jacques e Raïssa Maritain (ambos rivais da filosofia de Sartre, da mesma geração na Sorbonne) estavam nos anseios e escritos de Nilo. Sabia-se dos seus discursos, livros e escritos apologéticos ao culto mariano, sobre a divindade cristã.
Sartre foi, a vida inteira, um pensador agnóstico, existencialista desgarrado de Søren Aabye Kierkegaard, tinha vontade de ser Deus. Para ele, Deus precisava de aperfeiçoamento, era apenas uma causa entre um emaranhado de outras causas. Como era possível um bárbaro da modernidade, ateu, praticante do casamento aberto, ser saudado por um tomista adepto do Humanismo Integral? Eu não estava perto deles na cerimônia de abertura do Congresso para dar o testemunho das palavras de Nilo, nas suas boas-vindas a Sartre. Muitos disseram que a saudação de Nilo, feita de improviso, num impecável francês, foi para festejar o Recife e a Universidade pela oportunidade de conhecer um dos mais famosos, combatidos e polêmicos escritores da França do seu tempo, citando como exemplo a sua coerência política e filosófica ao recusar o Prêmio Nobel.
Faço este registro, passados exatos 65 anos, para reconhecer no escritor do Ceará Mirim, não só a sua coragem e grandeza, mas sua vontade e gesto de tolerância, tão afim de pessoas sistemicamente e moralmente autônomas. A tolerância, dentro dos limites da reciprocidade, que possui raízes em alguma parte do nosso ser e escapa de cálculos objetivos, praticada voluntariamente e não compelida.
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