O capitão e o medo
José Almino de Alencar
Sociólogo e ex-presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa
Publicado em: 05/12/2024 03:00 Atualizado em: 04/12/2024 22:46
Segundo o jornal O Globo da época, na terça-feira, 4 de julho de 1995, por volta das 8h, Jair Bolsonaro deixou o prédio onde morava na Tijuca, Zona Norte do Rio, a bordo de sua motocicleta Honda Sahara 350. Minutos mais tarde, em um sinal fechado, no bairro de Vila Isabel, o então deputado federal foi rendido por dois ladrões armados, que levaram o seu veículo como também a pistola Glock 380 que trazia sob a jaqueta.
“Mesmo armado, me senti indefeso”, desabafou o então parlamentar ao Jornal do Brasil.
Anos depois, em julho de 2018, o então candidato à presidência relembrou o episódio, em entrevista ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura, destacando que o chefe do tráfico da favela de Acari, onde sua moto fora recuperada, apareceu morto “um tempo depois, rápido”. E esclareceu, logo em seguida: “Não matei ninguém, não fui atrás de ninguém, mas aconteceu”.
O presidencialismo estabelece um laço especial entre o chefe da nação e os seus eleitores que o escolheram pessoalmente pelo voto direto. No líder, são reconhecidos atributos de gama a mais variada. Ele pode ser considerado prioritariamente como visionário ou alguém tolerante e democrata, intransigente na defesa de princípios, ou ainda, como autoritário e implacável com os inimigos, administrador criativo, centralizador etc. Tudo isso é apreciado em combinações diversas, reconhecidas como positivas ou negativas. Mas, uma virtude é imperativa, digamos assim, o tributo que ele paga por ter recebido a distinção da chefia: a coragem.
Esta parece não fazer parte do repertório moral do Capitão, como o exemplo do patético incidente descrito acima ilustra: inadmissível na confraria dos homens armados, ele chega a ser caricato para muitos entre de nós: um oficial do Exército é despojado de sua arma (e de sua motocicleta), sem esboçar reação alguma. Na verdade, a reação veio à socapa pelo viés de um dos gestos comuns da cumplicidade que reúne as elites marginais: o assaltante foi devidamente eliminado pela milícia.
Lembro-me bem do rosto de Jair Bolsonaro no dia do anúncio de sua derrota, marcado pelo esgar do pavor e da interrogação como se dissesse: o que vai acontecer comigo?
Certamente, ele sabia o que tinha feito nas semanas anteriores, quando discutia com seus auxiliares a preparação do golpe que o manteria no poder. Foge para Miami no último dia de mandato, a tempo de poder utilizar o avião da presidência, em um explícito e derradeiro ato de pirangagem explícita.
Agora, vejam só este outro exemplo: Quando Getúlio Vargas deu um tiro no peito, na madrugada de 24 de agosto de 1954, Rubem Braga escreveu em sua crônica no Correio da Manhã : “Não vou chorar sobre o corpo inanimado do Sr. Getúlio Vargas as lágrimas que não tenho, nem balbuciar as orações que minha descrença não aprendeu”. No entanto, acrescentou: “É impossível deixar de reconhecer que [Getúlio] transformou sua hora pior em uma espantosa vitória”.
Convenhamos...
“Mesmo armado, me senti indefeso”, desabafou o então parlamentar ao Jornal do Brasil.
Anos depois, em julho de 2018, o então candidato à presidência relembrou o episódio, em entrevista ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura, destacando que o chefe do tráfico da favela de Acari, onde sua moto fora recuperada, apareceu morto “um tempo depois, rápido”. E esclareceu, logo em seguida: “Não matei ninguém, não fui atrás de ninguém, mas aconteceu”.
O presidencialismo estabelece um laço especial entre o chefe da nação e os seus eleitores que o escolheram pessoalmente pelo voto direto. No líder, são reconhecidos atributos de gama a mais variada. Ele pode ser considerado prioritariamente como visionário ou alguém tolerante e democrata, intransigente na defesa de princípios, ou ainda, como autoritário e implacável com os inimigos, administrador criativo, centralizador etc. Tudo isso é apreciado em combinações diversas, reconhecidas como positivas ou negativas. Mas, uma virtude é imperativa, digamos assim, o tributo que ele paga por ter recebido a distinção da chefia: a coragem.
Esta parece não fazer parte do repertório moral do Capitão, como o exemplo do patético incidente descrito acima ilustra: inadmissível na confraria dos homens armados, ele chega a ser caricato para muitos entre de nós: um oficial do Exército é despojado de sua arma (e de sua motocicleta), sem esboçar reação alguma. Na verdade, a reação veio à socapa pelo viés de um dos gestos comuns da cumplicidade que reúne as elites marginais: o assaltante foi devidamente eliminado pela milícia.
Lembro-me bem do rosto de Jair Bolsonaro no dia do anúncio de sua derrota, marcado pelo esgar do pavor e da interrogação como se dissesse: o que vai acontecer comigo?
Certamente, ele sabia o que tinha feito nas semanas anteriores, quando discutia com seus auxiliares a preparação do golpe que o manteria no poder. Foge para Miami no último dia de mandato, a tempo de poder utilizar o avião da presidência, em um explícito e derradeiro ato de pirangagem explícita.
Agora, vejam só este outro exemplo: Quando Getúlio Vargas deu um tiro no peito, na madrugada de 24 de agosto de 1954, Rubem Braga escreveu em sua crônica no Correio da Manhã : “Não vou chorar sobre o corpo inanimado do Sr. Getúlio Vargas as lágrimas que não tenho, nem balbuciar as orações que minha descrença não aprendeu”. No entanto, acrescentou: “É impossível deixar de reconhecer que [Getúlio] transformou sua hora pior em uma espantosa vitória”.
Convenhamos...
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