A relativização de conceitos

Sérgio Ricardo Araújo Rodrigues
Advogado e Professor Universitário

Publicado em: 09/08/2024 03:00 Atualizado em: 09/08/2024 04:31

Presenciamos uma eleição na Venezuela, como em alguns outros Países, onde se relativizou o conceito de democracia.

Nicolas Maduro foi empossado, mais uma vez, presidente da República, sem que fossem demonstradas as referidas atas de votação em sua integridade.

Por outro lado, as Representações Diplomáticas dos países que não reconheceram Maduro como presidente foram expulsas do País e seus opositores internos estão sendo presos e processados pelo Ministério Público, o que caracteriza uma verdadeira ditadura.

Ditadura é, por essência, oposta à democracia. Se em um regime democrático há a deliberação política popular, em uma ditadura há a imposição de práticas e leis, à revelia da vontade popular, como, por exemplo, o desrespeito ao voto popular.

Desse conceito, uma confusão pode ser gerada, pois muitas ditaduras mantêm sistemas eleitorais locais, para chefias de prefeituras e governos, como indicado acima. Também podem ocorrer eleições fraudulentas e parciais que mantêm chefes de Estado ditadores no poder, durante muitos anos.

Não se pode neblinar essa realidade travestindo conceitos e características.

Para ser considerado efetivamente democrático, um país deve ter, além de ampla participação cidadã:

- liberdade de expressão;
- liberdade de imprensa;
- liberdade de associação política;
- acesso irrestrito à informação;
- transparência e lisura política na gestão de recursos;
- eleições idôneas e transparentes, que respeitem as regras estabelecidas por organismos internacionais.

O filósofo francês contemporâneo Jacques Rancière escreveu um livro intitulado O ódio à democracia, em que ele dedica-se a estudar o fenômeno contemporâneo que faz com que os cidadãos de antigas democracias rejeitem o pensamento democrático e, numa onda conservadora, peçam pela ditadura.

Segundo o pensador, a democracia é o regime da oposição e do dissenso. A discordância deve ser encarada como comum, porém a saída é a concordância de pensamentos diferentes que resulte, como em um processo dialético, em uma ação moderada. Em meio à não aceitação do pensamento diferente, as pessoas pedem o fim da democracia e o estabelecimento da imposição das suas próprias ideias como se fossem as únicas corretas e incrivelmente assistimos ao redor do globo manifestações pedindo a volta de ditadura.

Esses movimentos não podem ser relativizados, precisam ser combatidos em nome das liberdades e direitos que foram conquistados com muita luta.

Estamos em ano eleitoral também no Brasil e nos Estados Unidos e se faz necessários meditar sobre o assunto e tratarmos nossa liberdades de maneira séria, pois uma vez perdidas, só poderão ser conquistadas novamente com intensa luta.

Trago como ilustrativo trecho da letra da canção Cálice de Chico Buarque e Gilberto Gil:

Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Como beber dessa bebida amarga?
Tragar a dor, engolir a labuta?
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa?
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta.


Lutemos pelas manutenção de nossas liberdades para que não sintamos mais a dor daqueles que não a tem.

MAIS NOTÍCIAS DO CANAL