A busca do ouro olímpico versus a cultura do skate

João Evangelista Tude de Melo Neto* e José Ribeiro Neto**
* Prof. de Filosofia UFRPE/UFPE/GEN e campeão Norte/Nordeste de skate 1995
** Mestrando em Ciências Sociais UFRPE e skatista há mais de 20 anos

Publicado em: 07/08/2024 03:00 Atualizado em:

Paris está sendo palco da segunda aparição do skate nas Olimpíadas. Nesta semana, acontecem as disputas no park, modalidade na qual o Brasil tem chances de medalhas. Na categoria street feminino, a jovem Rayssa Leal, a “Fadinha”, já garantiu o bronze. Neste editorial, entretanto, deixaremos a “torcida” um pouco de lado para tratar de uma polêmica. Dias antes do evento, um relevante canal de transmissão esportiva do Brasil compartilhou em suas redes sociais um meme com a frase “quero a união do Twitter torcendo para crianças cair de um skate”, junto com uma foto de Rayssa. A skatista respondeu imediatamente, condenando a postagem e pontuou que, diferentemente de outras modalidades, no skate, é tradição torcer pelo acerto das “adversárias”. De onde, entretanto, deriva esta mentalidade expressada por Rayssa?    
A origem do skate é incerta. Há quem defenda que surgiu nos anos 1950. Seria uma derivação de brinquedos como o patinete e o carrinho de rolimã. Por outro lado, outros pesquisadores datam o início da prática no final dos anos 1960. Segundo esta hipótese, o skate teria sido inventado por surfistas californianos que adaptaram rodas de patins a pranchas de esquis. Ora, se assumirmos qualquer uma das teses, poderemos constatar que o skate não nasceu com a finalidade de competição esportiva! Na verdade, o Skate é uma atividade corporal que está muito mais próxima de uma “brincadeira de crianças”! Uma brincadeira que – livre de regras e sem a necessidade de espaços específicos pensados para sua prática – se brinca entre amigos. Façamos uma analogia com o futebol – afinal estamos no país do futebol! Ao contrário do skate, o futebol moderno foi pensado para ser uma disputa. Ou seja, o Futebol, em sua origem, é uma “contenda” regida por regras que visam estabelecer quem será – por meio da contagem de pontos – o vencedor e o perdedor. Logo, como na maioria dos esportes, aqui, almeja-se a vitória por intermédio da derrota do adversário. 
Mas, estamos tratando do skate nas Olímpiadas; portanto, também de pontuação, vencedores e perdedores. Na verdade, essa “esportivização” do skate não veio com a Olimpíada. Em épocas – não tão remotas – nas quais o skate tinha pouca aceitação social e era marginalizado, a atitude de aproximar a prática das modalidades esportivas constituiu-se como uma estratégia de sobrevivência. Em outros termos, o skatista teve de moldar sua prática a uma “brincadeira” normatizada e aceita socialmente, a saber, o esporte. Através desse artifício, pôde reivindicar o direito de andar de skate – lembremos que o skate já foi proibido por lei em algumas cidades brasileiras. Se, por um lado, essa adaptação ao esporte tornou o skate capaz de resistir às pressões sociais; por outro lado, esse mesmo amoldamento trouxe uma espécie de, digamos, “ameaça” àquela maneira de ser mais original da cultura skate. Ora, formada nesta cultura, Rayssa sabe que torcer pela queda das “oponentes” pode fazer sentido na mentalidade esportiva tradicional, mas é, originalmente, estranha à cultura do skate. 



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