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O Recife na rota do caos climático

Felipe Sampaio
Cofundador do Centro Soberania e Clima; ex-assessor especial do ministro da Defesa (2016-2018); foi secretário-executivo de Segurança Urbana do Recife

Publicado em: 05/08/2022 03:00 Atualizado em: 05/08/2022 00:13

Falar em aquecimento global no Recife lembra o ranking da ONU (16ª cidade mais vulnerável à elevação do mar). Porém, o recente boletim do Observatório do Clima mostra outros efeitos da mudança climática que chegaram antes.

As conclusões vêm do WWA - World Weather Attribution, que analisou a relação entre a crise climática e a força das chuvas (aumento de 20% na intensidade), deixando 120 mortos e milhares de desabrigados, sendo a maior tragédia climática em 50 anos na região.

Dois aspectos foram apontados como urgentes para o futuro do Recife. Ambos envolvem as chamadas ‘adaptações climáticas’ (efeitos demográficos e econômicos da mudança no clima).

Um deles se refere aos impactos climáticos sobre a população mais pobre, que já vive em condições de vulnerabilidade em tantos aspectos.

O outro abrange os efeitos de desequilíbrios do clima que ocorrem em outras localidades, mas repercutem em polos regionais como o Recife (secas, migrações, escassez de alimentos, fornecimento de energia, água etc.).

A metodologia do WWA inova ao identificar a relação entre os desastres ambientais e seus efeitos de caráter socioeconômico, além dos aspectos puramente climáticos. No Recife, junte-se a elevada exposição litorânea com a vulnerabilidade social da sua população.

Nas palavras da climatologista Edvânia Pereira (APAC/WWA) “... as construções do Recife são, de certa forma, arriscadas. A vulnerabilidade da região é muito alta”. Some-se a isso a duvidosa eficiência da infraestrutura e serviços públicos diante da escala do desafio climático.

Para Alexandre Köberle (Imperial College Lodon/WWA), a situação no Recife piora em função do descrédito dos alertas da Defesa Civil junto à população. “Falta saber o que fazer, para onde ir. É preciso aprimorar os treinamentos com a população”.

A sobrecarga sobre as cidades tende a se agravar, com o aumento da frequência e da intensidade dos eventos climáticos. Normalmente os maiores atingidos são os pobres.

Isso traz para a discussão o conceito de ‘justiça climática’, que inclui a prioridade que o Estado deve dedicar às desigualdades sociais, evitando seu aprofundamento devido à mudança do clima.

Outra Ong, o Climainfo, alerta para a má gestão dos rios nordestinos, como o São Francisco, cuja vasão privilegia a produção hidrelétrica e a grande irrigação, degradando a pequena agricultura e a renda dos mais pobres. Os efeitos alcançarão cidades como o Recife.

O Climainfo alerta ainda para o desperdício com obras caras de efeito temporário, como as engordas de praias urbanas. Importante é implementar um plano de reordenamento territorial profundo na cidade, com atenção na emergência climática.

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