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Natividade Saldanha e o Bicentenário... da Lusofonia

Gonçalo Mello Mourão
Ex-embaixador do Brasil junto à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e sócio do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano (IAHGP)

Publicado em: 21/06/2022 03:00 Atualizado em: 21/06/2022 06:20

Neste outono de 2022, no Brasil, primavera em Portugal, devemos celebrar o ano do Bicentenário da Lusofonia como ela é conhecida hoje: essa riqueza da variedade da língua portuguesa, através da qual se expressa uma variedade de culturas e não mais apenas a cultura portuguesa.

A lusofonia nasceu há exatos 200 anos, quando, na primavera de Coimbra, surgiu um pequeno livro de poesias intitulado Poemas oferecidos aos amantes do Brasil. Seu autor era o jovem estudante em leis, de 25 anos, nascido em 8 de setembro de 1796, em Santo Amaro de Jaboatão (PE), José da Natividade Saldanha.

Nasceu com o livro a lusofonia literária: era a primeira vez que se expressava em um português literário a certeza de não ser português. Trazia o livrinho as primeiras poesias patrióticas brasileiras - as Odes a Henrique Dias, Felipe Camarão, Fernandes Vieira - e as primeiras lamentações sobre a sorte dos heróis de 1817, que primeiro instauraram no Brasil uma pátria nova, cantando os louros de uma nacionalidade outra que não a portuguesa. Cantava-se em português, pela primeira vez, a consciência de uma nacionalidade brasileira. Nascia a lusofonia, essa variedade da língua portuguesa como expressão consciente de outras culturas.

Durante a colônia, autores portugueses, nascidos em Portugal ou no Brasil, cantaram as belezas do Brasil e feitos gloriosos em nossa terra: a ilha de Itamaracá e a da Maré, Vila Rica, mulatas e juízes travessos, as guerras jesuíticas, até a bela Marília, a bela Glaura e outras belas. Mas eram portugueses cantando coisas de um pedaço ultramarino de Portugal. Não eram brasileiros.

Com a poesia de Natividade Saldanha, porém, expressa-se em português um nacionalismo brasileiro e nasce a lusofonia. A semente plantada por Natividade Saldanha vinga fértil no Império e se consolida, com José de Alencar.

No século 20, as insurgências das colônias africanas e a consolidação de suas independências, vertidas em um português de expressão africana, consagrariam o vigor universal da lusofonia em seus diversos falares portugueses.

Hoje, a lusofonia é uma riqueza crescente que compartilhamos com outros 8 países no seio da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Nunca foi tanta a variedade de autores portugueses e africanos de língua portuguesa em nossas livrarias. E essa riqueza nasceu há exatos 200 anos, com os Poemas oferecidos aos amantes do Brasil, do poeta mulato pernambucano José da Natividade Saldanha, estudante de Coimbra, revolucionário de 1824, banido do Brasil por republicano e morto no exílio, em 1832, na flor de seus 36 anos.

Em um de seus poemas, proclamava: “soltando a voz em não somenos cantos / dei claro nome à Pátria”. A Pátria era o Brasil, não era mais Portugal. Era a primeira vez que se dava, em português, claro nome a uma pátria outra que não Portugal: nascia a lusofonia como a que temos hoje. Celebremos, portanto, por estes dias, o bicentenário da lusofonia, o bicentenário do nascimento da variedade de nossa doce língua portuguesa.

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