Diario de Pernambuco
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Do cuscuz sem cuscuzeiro

Vladimir Souza Carvalho
Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras

Publicado em: 07/05/2022 03:00 Atualizado em: 07/05/2022 06:23

O cuscuz, já o segurei pelas pontas, e, acredite quem quiser, o domino plenamente. Até fazer a massa, depois de molhada e mexida, descansar. Ademais, ampliando meu leque de proezas, o preparo só com a massa, acrescentando depois alguma substância a mais, como azeitonas, ervilhas, queijo, sardinha, atum, cebola, carne cortada bem miúda. Acrescento a receita do ovo estrelado em cima do cuscuz. Meu banquete matinal está pronto, o cuidado de não deixar à vista de nenhum espião francês, senão, copiam e divulgam em Paris. Banana para eles.

Aprender a cozinhar o cuscuz foi uma senhora vitória, por ter me criado longe da cozinha, circunstância que, se de um lado me dava uma despreocupação, por outro me deixava até com inveja – boa inveja – dos amigos que dominavam tal arte, que, na minha visão de não cozinheiro assumia o valor de se tratar de algo extraordinário, que, talvez, nunca fizesse.

Outro dia desse, vendo um programa de culinária na televisão, decorei uma receita de cuscuz marroquino, tim por tim, passo a passo, fazendo as adaptações devidas. Ninguém lá em casa, a começar por Cristiane, levou muito a sério um cuscuz sem cuscuzeiro, a massa cozida apenas com água fervente – não só quente, mas fervente -, que, para minha alegria, funcionou plenamente, e, os que tiveram a honra de devorar um pouco do cuscuz, terminou elogiando meu desempenho. Verdade, pura e nua, juro por todos os bons  e milagrosos santos.

Levei a fórmula para a fazenda de minha sogra, no período carnavalesco. Fiz a exposição devida à esposa do vaqueiro, que comanda a cozinha nesses dias, para a satisfação de nossas guloseimas. Frisei bem que a massa não era levada ao fogo. Só a carne e apetrechos que o acompanham. Para minha surpresa, ela se lembrou de ter visto, desde menina, na entrada do Sertão, onde se criou, vaqueiros, sem dispor do cuscuzeiro, cozinhando o cuscuz só com a quentura da água fervendo. A novidade que eu via na televisão como extraordinária descoberta, em verdade, já era praticada há décadas por aqui, ao que, humildemente, pude filosofar: Nada de novo existe sobre a face da terra. Nem o cuscuz cozinhado sem esse ir ao fogo. Ninguém anotou a minha frase. Todos estavam pensando apenas no cuscuz.

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