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Dia 14 de maio de 1888: o dia seguinte

Mônica Oliveira
Membro da Coordenação da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, a Articulação Negra de Pernambuco e a Coalizão Negra por Direitos

Publicado em: 14/05/2022 03:00 Atualizado em: 13/05/2022 23:45

13 de maio não é dia de negro!

Nós que compomos o Movimento Negro brasileiro não comemoramos o 13 de maio. Não comemoramos a assinatura da tal Lei Áurea. E hoje isso já não causa tanto estranhamento, porque a sociedade brasileira está mais informada sobre a farsa que foi a Abolição. O Estado brasileiro se recusou a oferecer melhores condições de vida para a população de ex-escravizados. Mulheres e homens negros recém-libertos foram abandonados nas ruas sem casa, sem comida, sem trabalho, sem escola, sem condições dignas de vida. Este é o retrato do dia 14 de maio, o dia seguinte.                                                                                                                                      

Após o fim da escravidão, de acordo com o sociólogo Florestan Fernandes (1920-1995), em sua obra A integração do negro na sociedade de classes, de 1964, as classes dominantes não contribuíram para a inserção dos ex-escravos no novo formato de trabalho. Naquele momento, a melhor medida a ser endereçada aos negros e negras seria a concessão de terras, para que pudessem garantir seu próprio sustento. Mas o Estado brasileiro, fundado em bases racistas, patriarcais e capitalistas, decidiu conceder terras apenas aos imigrantes europeus.

Naquilo que pode ser classificado como uma das primeiras experiências de “cotas” neste país, os brancos europeus foram beneficiários de ações afirmativas, expressas nas várias medidas tomadas pelo governo brasileiro para acolher os imigrantes: financiamento de passagens de navio, assistência, concessão de terras. Hoje, no Brasil, a luta pela terra é uma das mais sangrentas, e nela tombam quilombolas, trabalhadores rurais, indígenas e outros segmentos não-brancos deste país.

O 13 de maio é para nós um dia nacional de luta contra o racismo. Exatamente para chamar a atenção da sociedade para o fato de que o racismo permanece massacrando a população negra. É preciso que cada cidadão e cada cidadã brasileiros entendam que a falsa abolição foi sim uma estratégia do sistema racista de desobrigar o Estado de sua função de garantir condições reais de participação justa e equânime na sociedade para a população negra do Brasil.

Reconhecemos que há alguns avanços, conquistados com muita luta pelo movimento negro, mas as desigualdades raciais no Brasil não estão nem perto de ser superadas. Tendo em vista que a população negra parte sempre de patamares muito desiguais na disputa em todas as áreas da sociedade, é preciso investir mais em ações afirmativas. É preciso combater o racismo em todos os campos de nossa vida cotidiana.

A pandemia gerou um aprofundamento perverso das desigualdades já existentes na sociedade brasileira, assim como um recrudescimento das várias formas de violência racial que atingem as pessoas negras. É imperioso o estabelecimento de políticas de assistência e proteção social, para que a população negra e pobre possa não apenas sobreviver, mas viver.

O Estado brasileiro tem uma dívida com a população negra, não só pela falsa Abolição, mas por conta da opressão e exploração permanentes a que esta população vem sendo submetida por séculos. Já não é de hoje a constatação de que políticas universais não reduzem as desigualdades. Por isso, reivindicamos que sejam estabelecidas políticas afirmativas e políticas de reparação.

No dia em que o país for melhor para a população negra, será melhor para todos e todas!

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