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Chico Macaco

Aldo Paes Barreto
Jornalista

Publicado em: 20/05/2022 03:00 Atualizado em:

A antiga expressão recifense – “pra lá de Macaco”, assim mesmo no singular, - indicava quem morava longe, nos confins da Zona Oeste, onde a área urbana terminava e começava o caminho para Sertãozinho de Caxangá. Era o Caldeireiro, fronteira com Apipucos. A linguagem dos meados do Século 19 provavelmente não se referia aos primatas que habitavam as franjas da atormentada Mata Atlântica, mas a um bizarro morador da região.

Identificava o comerciante português Francisco Ribeiro Pinto Guimarães, o “Chico Macaco”, e os modos destrambelhados dele no dizer desaforado dos vizinhos de poucas luzes. Como consta na placa que está no frontispício da edificação, Francisco Guimarães construiu entre 1874 e 1877, quando ainda tinha juízo, o requintado solar que hoje abriga a sede da Fundação Joaquim Nabuco. Ali ele morou até o final da vida, provavelmente entre 1935 e 1936.

Excêntrico na antessala da paranoia, Francisco Guimarães, construtor e morador do casarão, comercializava açúcar para a Europa onde ia com frequência quando jovem. Educado, refinado, rico e solteiro, não deixou herdeiros. A dramática existência desse emigrante fez dele lenda, do sobrado lugar mal-assombrado e da sua existência a constatação de que preconceito racial existe onde residem humanos.

A alcunha de Chico Macaco foi imposta porque ele carregava dois graves pecados: mantinha amizade com os pretos e se alimentava de bananas.

Quando surgiram os primeiros sintomas da demência, Francisco Guimarães isolou-se no casarão e recomendava aos criados que fechassem portas e janelas. Malfeitores, facínoras de todos os credos e os mações queriam assassiná-lo e roubar o que era dele. Refugiado no primeiro andar, e apenas uma criada tinha acesso ao local abastecendo o esquisito Francisco com bananas e outras necessidades.

No início do século 20, os interesses pelo excêntrico português, pelo solar e pela sua fortuna, cresceram. Sem herdeiros, o caso chegou à Justiça, a interdição foi pedida e nomeado um psiquiatra para avaliar a decrepitude do velho e ainda rico lusitano. Foi então nomeado o especialista Ladislao Porto para realizar o laudo de interdição.

Em reportagem publicada neste Diario de Pernambuco, edição de 2 de abril de 1954, o então iniciante repórter Marco-Aurelio de Alcântara entrevistou o psiquiatra Ladislau Porto, que atuou no Caso “Chico Macaco”, em 1935. O médico bem que tentou demover o lunático a sair de sua solidão e ser internado em hospital especializado. Em vão.

Vergado, coberto por enormes barbas brancas, vestindo timão sem cor, Francisco isolou-se cada vez mais no primeiro andar do casarão de onde nunca saiu e onde morreria de inanição.

O majestoso solar ficou muito tempo abandonado. Roubaram vitrais, mobílias, pisos de jacarandá, mármores dos banheiros. Ainda assim manteve grande parte do original até ser totalmente recuperado pela Fundação Joaquim Nabuco, depois de ter sido ocupado por uma clínica veterinária e pelo Hospital Magitot.

Graças ao empenho do pernambucano Gilberto Freyre, o Solar do Caldeireiro escapou do triste destino de ser tombado para coisa alguma e virar ruínas de coisa nenhuma. Nesse meio tempo, a imagem fantasmagórica do ancião de longas barbas, vestes brancas, deixando cair escorregadias cascas de banana, assombrava quem se aventurava ao local e protegia o casarão. Era uma época em que os ladrões temiam assombrações e maldições.

Logo depois da tentativa de interdição judicial, o emigrante foi encontrado morto pela velha preta Joana. Ao lado, um cacho de bananas que ele já não comia.

Mandava para todos que incomodaram sua solidão em gestos severos e eloquentes.

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