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Americanos e russos

Michel Zaidan
Cientista político e professor titular da UFPE

Publicado em: 28/04/2022 03:00 Atualizado em: 27/04/2022 23:33

Tenho mantido uma amistosa e respeitosa discussão com alguns amigos e colegas sobre o conflito russo-ucraniano. Quero dizer, de saída, que não nutro nenhum tipo de simpatia pelo ex-funcionário da KGB e seu estilo imperial e autocrático e violento de governar. Infelizmente, os conflitos bélicos regionais e internacionais, a simpatia ou a antipatia não funcionam como método ou teoria para entender a realidade conflituosa dos nossos dias. Poderia começar dizendo que os países não têm amigos ou inimigos. Têm interesses econômicos, estratégicos ou geopolíticos. Daí porque o direito internacional e as organizações internacionais sempre estarão submetidos a uma grande limitação prática enquanto a ordem mundial basear-se no protagonismo dos estados-nação individualmente e na supremacia politico-militar das Nações mais fortes. O direito será ditado pelos interesses dos mais fortes. Vem daí a fraqueza das instituições e seus fóruns. Cumpre-se o que se quer. O que for conveniente. Só os países fracos e pobres obedecem as resoluções da ONU e o direito internacional. Os fortes obedecem ao primado da luta pela sobrevivência e a efetivação de seus interesses (Israel, os EEUUS).

As organizações internacionais que temos são remanescentes da ordem dos vencedores da Segunda Guerra Mundial, a começar do ilegal tribunal de Nuremberg, firmado pelos vencedores da guerra. Enquanto não forem modificados restarão impotentes e desmoralizados pelas grandes e médias potências.

E o que dizer da Organização Militar do Atlântico Norte (Otan)? Essa é fruto do leste europeu e do Pacto de Varsóvia, sob o comando da ex-União Soviética. Mas acabou-se o Pacto de Varsóvia e o leste comunista europeu e a União Soviética. Para que serve a Otan? Para os americanos interferirem na política externa da União Europeia, como fizeram com a agenda de guerra ao terror, levando o ISIS a fazer atentados na Espanha, na França, etc.

Os intelectuais europeus (Derrida, Habermas) lançaram um manifesto pedindo uma política externa independente para a União Europeia.

Foram sabotados pelos aliados dos americanos (ingleses, italianos). Resultado: continua a hegemonia americana na política externa europeia.

Quanto à Rússia, os problemas das nacionalidades do ex-império soviético é crônico. Deita raízes na forma como se deu a agregação desses povos ao grande país soviético. Rosa Luxemburgo já tinha advertido Lênin que isso traria problemas chauvinistas, racistas e nacionalistas mais à frente. Estamos assistindo à revanche desses interesses no momento. A posição imperial autoritária de Putin - o maior fornecedor de gás natural para a Europa, em troca de alimentos - tem uma motivação econômica e geopolitica. Depois do 11 de setembro e as invasões do Iraque e Afeganistão, a bola da vez é a Ásia Central e suas ricas jazidas de gás natural não exploradas.

O conto da carochinha da “grande potência do Norte” benigna que, conhecia de suas responsabilidades globais, vai salvar o mundo das garras do comunismo ateu e dissolvendo não pega mais.

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