Diario de Pernambuco
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Senhora irrealidade

Rodrigo Pellegrino de Azevedo
Advogado

Publicado em: 14/01/2022 03:00 Atualizado em:

Tudo o que enxergamos é fruto de um processo de evolução que adaptou nossos sentidos a “enxergar” o suficiente para sobrevivermos. Da mesma forma, outros animais e espécies, também assim evoluíram, adaptando-se para detectar a realidade e, a partir dela, poder sobreviver. Então nós, sobreviventes desse planeta, somos todos resultados de um negócio que Darwing chamou de evolução, adaptação ou resiliência; não significando isso que todos os animais percebam o mundo da mesma forma, enquanto espécies, mas, não interagir de forma igual, pode significar o fim ou a janela para sobrevivência.

Não tenho, por absoluta falta de conhecimento, condição de falar de outras espécies, no máximo sobre cachorros e, no mundo canino, algumas raças em específico, tais como Fox Terrier, Doberman, Vira-Lata Brasileiro, Yorkshire, Pug e Buldogue Francês, criados por mim ao longo da vida. Cada uma dessas raças com suas peculiaridades e trejeitos, mas todas, com algo em comum, o alto grau de instinto de sobrevivência junto ao ser humano e, em especial, ao seu dono, fruto de um processo de evolutivo que os qualificou a produzir riquezas (vide a quantidade de pet shops, que só perdem para o caminhão do ovo por 10 reais).

Ocorre que o ser humano e aí me permitam fazer um recorte, o ser humano brasileiro, mais especificamente, o brasileiro político profissional, é uma espécie à parte. A capacidade de adaptação às mais diversas situações, tornam essa “avis rara” do habitat nacional um animal do topo da “cadeia alimentar”, cuja supremacia, fruto de um longo e histórico poder adaptativo às circunstâncias no cosmos brasileiro, tão bem explicado por Raimundo Faoro, dotaram-na do poder “enxergar” o mundo como morcego, lobo, réptil, anfíbio e, raras exceções, apenas como ser humano.

A razão desse curto ensaio advém do fato de ter assistido a sessão recente da Câmara dos Comuns, e poder ter ouvido as reprimendas desferidas ao primeiro-ministro britânico por ter sido descoberto que havia sido conivente com uma espécie de “Happy Hour” em “Dowing Street” – O Palácio do Planalto da Inglaterra - ocorrida em plena pandemia, contradição explícita ao que o governo inglês proibira (reuniões celebrativas com mais de três pessoas). E pasmem, ele pediu desculpas e reconheceu que errou.

Voltando ao tema da espécie humana, especificamente do gênero humano e dentro desse mesmo gênero, as diversas espécies de políticos humanos, temos uma gama de diferenças e similitudes. A maior semelhança Caetano Veloso já respondeu, com uma curta adaptação minha: “Como pode querer que o ‘político’ vá viver sem mentir”. Já a maior disparidade está no apego ou desapego à realidade. Essas diferenças gritam e mudam de país para país e aqui, nesse cantinho chamado Brasil, parece que se perdeu a capacidade em definitivo de se fazer essa conexão.

Tom Stoppard, dramaturgo inglês, em sua magnífica peça teatral Arcádia, uma “comédia de ideias” que navega na relação entre passado com o presente, ordem com desordem, certeza com incerteza, cujo enredo se passa apenas em dois tempos históricos distintos, talvez por desconhecer a fauna dos nossos seres políticos, deixou de adaptar a nossa história republicana ao contexto da peça. Esse é o problema político brasileiro, a indiferença ao amor pela realidade.

Assim, entramos em 2022, com mais um ciclo adaptativo. Discursos de lado a lado farão da realidade um apetrecho dessa nova encenação, cujo maior intuito, ao menos para a grande maioria, não será outra coisa que não a sobrevivência. E para sobreviver, a única saída é fazer com que todos olhem da mesma forma. Não quero com isso fazer qualquer pregação moral para política, mas apenas ponderar que, nós eleitores, se não tivermos capacidade de “enxergar” com nossos “olhos”, poderemos ser a espécie em extinção, já que, para a sobrevivência, os políticos adotaram a senhora irrealidade como lema, e a politização da moral como tema, reduzindo a realidade a duas tribos, onde apenas uma deverá sobreviver.

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