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Nando Reis e os direitos autorais dos pequenos trechos

Ednaldo Almeida e Maria Clara Gadelha
Advogados no Nunes Costa Advocacia

Publicado em: 27/01/2022 03:00 Atualizado em: 27/01/2022 06:26

Recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo condenou uma multinacional brasileira a indenizar o compositor Nando Reis, pela utilização, na embalagem de seus produtos, de trecho da canção “Relicário” sem autorização e indicação de autoria do artista. Casos como esse revelam as nuances que permeiam os direitos autorais e as cautelas necessárias para utilização de uma obra com efetivo respaldo legal – em particular na reprodução de curtas frações.

Tenha-se em mente que não se trata de discussão própria de eventualidades esporádicas e singulares. Estamos rodeados de obras intelectuais sobre as quais incidem direitos de seu autor. Os filmes e os seriados a que assistimos, os softwares que utilizamos e as músicas que ouvimos são obras que são utilizadas de maneira corriqueira e quase automática, por pessoas físicas ou jurídicas, de maneira pública ou privada e para diversos objetivos

Mas é importante atentar que os direitos do autor são protegidos no ordenamento jurídico brasileiro, tanto sob aspectos morais, quanto patrimoniais, que acarretam restrições ao uso das criações protegidas. A dimensão moral diz respeito à prerrogativa do autor de ser associado à obra a que deu origem, assim como de dispor sobre a circulação e a integridade desta. Já a dimensão patrimonial se refere aos seus direitos de exclusividade de exploração comercial e econômica da obra que criou, sendo passível de utilização por terceiros somente mediante licença. Os direitos morais, portanto, estão ligados à proteção da personalidade do criador da obra, enquanto os direitos patrimoniais referem-se à devida retribuição material dele, em razão do seu esforço empreendido na atividade criativa.

Em decorrência dessa distinção de fundamentos, cada espécie de direito autoral apresenta peculiaridades em seu exercício. Os morais não são passíveis de alienação ou renúncia pelo titular e o vinculam permanente à obra. Os patrimoniais, por outro lado, são temporários, subsistindo até o 70º ano após a morte do autor, e podem sofrer algumas limitações específicas, previstas na Lei nº 9610 de 1998 (Lei de Direitos Autorais), que excepcionam os direitos de exclusividade do titular e prescindem de sua autorização. São algumas hipóteses dessas limitações as reproduções de artigos e notícias na imprensa, reproduções mediante sistema Braille para pessoas com deficiência visual, as citações de passagens de obras para fins de estudo, crítica ou polêmica e, também, reproduções de pequenos trechos.

Esta última hipótese esteve no centro da controvérsia envolvendo a música de Nando Reis e comporta algumas dificuldades de caracterização prática. Não há, por exemplo, definição objetiva do que se trata pequeno trecho – nem na lei, nem na jurisprudência predominante –, tornando essa base legal arriscada para resguardar obras protegidas. Além disso, não pode ser considerado apenas o tamanho a ser reproduzido, devendo-se verificar se tal uso não prejudica a exploração pelo próprio autor ou seus interesses. Embora sejam condições de complicada verificação categórica, é certo que o uso de obra para fins comerciais eleva a probabilidade de afetar o aspecto patrimonial dos direitos do autor e vir a ser considerado ilegítimo.  

Em todo caso, não se pode esquecer de preservar os direitos morais, mesmo diante das possibilidades excepcionais de uso. Logo, é indispensável que as reproduções de obras protegidas sempre apresentem a identificação do respectivo autor. Manter esse cuidado em mente, aliado a uma compreensão global dos direitos do autor, contribuem para um uso consciente de obras protegidas, de maneira a evitar eventuais disputas judiciais.

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