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De namoro somente

Vladimir Souza Carvalho
Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras

Publicado em: 01/01/2022 03:00 Atualizado em: 31/12/2021 18:28

No ginásio o namoro era permitido. Não o de abraços e beijos, porque, à época, paciência, o nosso mundo era bem pequeno para admitir tais cenas, nem assim ninguém namorava em público. O namoro era o bem comportado, só de conversas, nos recreios. Lembro de alguns que resultaram em casamentos. Deixo as rupturas, que [e se] ocorreram, não vêm aqui à discussão.  

Não passei em branco, como caderno que nunca foi usado. No primeiro ano, nenhuma aluna me tocou, nem as do primeiro, nem as de classe superior, essas, aliás, todas mais velhas. No segundo, foi um caçuá transbordando de erupções amorosas. Uma paixão não correspondida, rosto lindo que habitou meus pensamentos sem nunca ter percebido os olhares lançados. Outra, decidida e disposta, encontros, nos recreios, na biblioteca do ginásio, última sala do primeiro quarteirão, depois da secretaria e diretoria. Não encontrou raízes para se expandir. Ainda um namoro que se limitou a um encontro, na praça, num sábado à noite, sacudido pela abrupta saída da bem amada de Itabaiana. Nunca mais a vi.

No meio desse mundo de então, situavam-se os cadernos que algumas meninas utilizavam para colher de colegas respostas ante perguntas formuladas e opiniões sobre temáticas expostas. Era muito comum. Um colega, no segundo ano, foi convidado para cravar suas opiniões, sonhos e desejos. A sua escolha resultava de uma aura de antipatia comigo. Acredito. Ocorreu deste me mostrar e a Luiz Carlos o caderno. A contragosto seu, tivemos a posse, resolvendo, por pirraça, responder, com nomes fictícios, claro. Fazia parte da brincadeira de mau gosto. Quando o caderno foi devolvido, a dona, constatadas as respostas indevidas, bem crispada, de imediato, o  rasgou, página por página, a gente, de longe, como quem não quer nada, testemunhando. Valia o riso, o comentário posterior, até o assunto morrer. O que não morreu foi o abismo cavado. Décadas e décadas depois, me arrisquei a cumprimentá-la. Não obtive resposta. O hiato continuava vivo, o caderno eternamente esgarçado, a eterna fogueira ainda a queimá-lo. Ah, sim. Faltou uma explicação. As perguntas se ligavam à vida amorosa de cada um e as paixões vividas e a viver. O namoro, então, era a conquista maior, nossa e delas.  

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