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O livro-roteiro fílmico de Karla Veloso

Marcus Prado
Jornalista

Publicado em: 06/12/2021 03:00 Atualizado em: 05/12/2021 21:48

Escrita em 1921, Seis personagens à procura de autor, de Luigi Pirandello (1867-1936), relata um ensaio de teatro. A cena é invadida por seis personagens que, rejeitadas por seu criador, tentam convencer o diretor da companhia a encenar suas vidas. Você começa a ler certos livros e eles crescem, se agigantam como “obra aberta”, daí a um passo é inspirador de um poema sinfônico, uma peça teatral, um longa-metragem a disputar uma láurea cinematográfica, ou num documentário que tem a mesma categoria fílmica, sendo mais do que um espelho em inversa direção prospectiva. O livro da jornalista pernambucana Karla Veloso, Cultura Viva do Nordeste (Editora Massangana, 2021), integra-se na categoria daqueles que nascem para cumprir uma dupla finalidade. Retrata o perfil dos 90 vencedores do Prêmio Delmiro Gouveia de Economia Criativa, promovido pela Fundação Joaquim Nabuco e se transforma, pelo formato jornalístico de invulgar qualidade, num roteiro em potencial de um documentário sobre figuras humanas, histórias de vidas dos que possuem o dom de fazer milagre numa região onde essa dádiva dotada de vida, fundada na crença e na esperança, milagre, se manifesta para explicar o inexplicável. Diante de certos livros, chego a pensar que trazem, embutida uma bola imaginária de cristal, bolas solares irradiando. Uma janela aberta para que se veja a sua destinação. Santo Agostinho, no livro A Cidade de Deus, publicado em 426 d.C. fala-nos sobre as práticas místicas dos videntes da bola mágica de cristal. Traz uma clara referência às supostas vidências praticadas pelos druidas dessa época, que enfrentavam o cerceamento de suas práticas por parte dos cristãos. Não sou da confraria dos druidas, mas admito que livros como o de Karla trazem a capacidade de se fragmentar, estão prestes a vestir uma nova roupagem, desde que se determine o modo como se processa essa passagem.

O livro de Karla Veloso, na sua heterogeneidade, está carregado de sugestões, não só como relato de um projeto de Economia Criativa, torna-se um roteiro à espera de um cineasta talentoso e de um bom diretor de Fotografia, dentro da linhagem da cinematografia pernambucana dos nossos dias.

Alguns projetos exigem mais pesquisa do que outros, o desse livro está pronto, à espera de um cineasta, documentarista bem iniciado nos domínios da produção desse gênero, apresentando-o como ele realmente é. A obra que nasce neste livro, o Prêmio Delmiro Gouveia de Economia Criativa, segundo Antônio Campos, presidente da Fundaj, é a realidade concreta de diversos sonhos de famílias no Nordeste posto em prática e premiados pela Fundaj”. É a saga de empreendedores anônimos na sua diversidade sóciocultural. Eles são mestres porque maestria é dom, vocação, labor artesanal, técnica e criação.

Na visão de Mário Hélio Gomes, diretor de Memória, Educação, Cultura e Arte (Dimeca), da Fundaj, autor do projeto que resultou no Prêmio, a caminho de uma nova edição, “o livro de Karla Veloso é uma viagem por milhares de quilômetros de criatividade de pessoas tão diferentes quanto os lugares onde nasceram ou habitam” Ao todo, foram distribuídos R$ 900 mil do orçamento da Instituição Federal, a projetos de caráter criativo e inovador dos nove estados do Nordeste. Os critérios de premiação levaram em conta, principalmente, o baixo custo e a quantidade de beneficiados. Do projeto, tive o prazer de integrar a comissão julgadora. A expectativa é que o filme não seja restrito às salas de cinema ou às telas da TV por assinatura. Que seja levado às comunidades suburbanas da capital e do Interior, aos ambientes motivadores do projeto, para que a sua trajetória multiplicadora aconteça. O trabalho com filmes dessa natureza requer lidar com o espírito de continuidade. Será um filme como instrumento não só de documentação, mas uma proposta, que deve ser difundida, de desenvolvimento de atividades humanas.

Com esse projeto da Fundaj, descobriu-se uma trilha potenciadora e transformativa, de largos ensejos socioculturais para uma das regiões mais carentes do Brasil. O livro-roteiro fílmico de Karla Veloso é desses que acompanham os embates do vivido.

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