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Elogio do Magistério

Michel Zaidan
Professor titular da Universidade Federal de Pernambuco

Publicado em: 26/10/2021 03:00 Atualizado em: 25/10/2021 22:14

Poderia ter sido comerciante como meu saudoso pai – hoje transformado em nome de rua – ou meus avôs paternos. Ou, quem sabe, arquiteto ou psicanalista. Talvez desfrutasse de uma posição social mais prestigiosa e rica. Teria sido mais afortunado ou socialmente mais influente. No entanto, contrariando todas as expectativas familiares, me tornei professor. Lembro que uma das manifestações mais remotas dessa escolha  foi quando disse a uma tia paterna que gostaria de ter uma profissão que tivesse muita gente para quem falar. Mal sabia que estava selando o meu destino, com essas palavras, para a entrada futura no magistério. Quando decidi que estudaria Filosofia, após a conclusão do curso secundário,  a família reuniu-se e fez um prognóstico muito sombrio sobre o meu destino: eu seria ou um gênio da raça ou um boêmio, um sonhador. Hoje vejo que nenhuma dessas profecias se concretizou.  Mas me tornei um professor ao longo desses últimos cinquenta anos de vida.

Um professor não nasce feito, acabado ou pronto para o exercício de seu magistério. Ele pode começar como um tirano, um ditador de consciências, uma pessoa muito rígida que exige de seus alunos o mesmo que ele adquiriu ao longo da vida, à custa de muito estudo, sacrifício ou dedicação. Não obstante, ele pode se transformar numa “catapulta” dos desejos, sonhos e projetos de seus pupilos. Ou ser um jardineiro que rega, com muito cuidado, todo dia, o seu jardim (Rubem Alves). De toda maneira, o magistério é uma espécie de contrato amoroso entre o professor e os alunos. Sem o interesse genuíno na transformação humana de seus pupilos (mais do que o mero vezo reprovativo ou avaliador) não pode haver comunicação didática, digna desse nome (como dizia um antigo livro de didática – “ensinar não é transmitir”). E essa comunicação depende muito do assentimento, da concordância ou da aceitação tácita dos educandos. Se eles não quiserem aprender, nada os fará a respeitar e  valorizar a lição dos mestres. Há um quê de gratuidade, de entrega voluntária no ato de educar  e de ser educado.

Por isso, a educação e o ensino não podem ser - simplesmente - transformados em mercadoria, de péssima qualidade inclusive. Quando publiquei um livro chamado A pedagogia do desejo, inspirado no heroico trabalho das educadoras das meninas que viviam nas ruas do Recife, houve quem estranhasse a palavra-de-ordem: “reerotizar o magistério”. Ora, queria dizer com isso da necessidade de reencantar a educação, resgatar a sua poesia, sua beleza, sua verdade. Naturalmente, com professores mal-pagos,  desestimulados e sem um projeto político-pedagógico, não seria possível uma tal pedagogia.

De  toda maneira, fica aqui reafirmada essa profissão de fé na importância do magistério. E parabéns a todos os professores e professoras.

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