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David Cards (Nobel em Economia) e Gilberto Freyre

Alexandre Rands Barros
Economista

Publicado em: 16/10/2021 03:00 Atualizado em: 16/10/2021 06:14

O Prêmio Nobel em Economia de 2021 teve como seu principal ganhador o canadense David Card, que se notabilizou por popularizar métodos mais consistentes de identificação de modelos de estimações econométricas. Um de seus últimos trabalhos foi publicado na American Economic Review (outubro/2021) e trata da discriminação no mercado de trabalho formal brasileiro (a análise mais rigorosa restringiu-se ao Sudeste). Ele foi escrito com outros três acadêmicos, todos residentes nos E.U.A., e tem como título Assortative Matching or Exclusionary Hiring? The Impact of Firm Policies on Racial Wage Differences in Brazil. O texto traz uma contribuição importante para as discussões sobre racismo no Brasil, atualmente.

Após a descrença nas teses de inferioridade biológica dos negros e mestiços, ganhou força na academia e na ideologia social a hipótese do pernambucano Gilberto Freyre, que defendia a existência de democracia racial no Brasil. Segundo ela, os negros traziam uma herança de pobreza associada a sua origem na escravidão, mas não havia discriminação no sentido de julgá-los inferiores e segregá-los por tal. Na economia isso implicaria que não haveria discriminação no sentido mais rigoroso do termo, que levasse a salários inferiores para negros e/ou mestiços, com uma mesma qualificação e experiência que os brancos. Obviamente, isso feriu os brios dos acadêmicos americanos que se juntaram a professores da USP-SP para contradizer essa tese e defender que o racismo no Brasil era um problema semelhante ao americano, apenas mais disfarçado. Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Octávio Ianni e Roger Bastide estavam entre esses acadêmicos.

Mais recentemente, o conceito de racismo estrutural tem evoluído no Brasil. Segundo essa visão, há no país um conjunto de práticas institucionais, históricas, culturais e interpessoais que frequentemente coloca os negros, índios e mestiços em uma posição que dificulta o seu sucesso pessoal e profissional. De acordo com essa hipótese, é possível que os discriminados não causem qualquer repugnância aos privilegiados, mas estes ainda assim prefiram não conviver com eles. Tal prática sutil gera oportunidades desiguais no mercado de trabalho e isso explica um percentual não desprezível das disparidades salariais. O texto de David Card e coautores contribui nesse sentido, identificando que parte das disparidades salariais entre brancos e não brancos no Brasil decorre das políticas de contratação e de definição dos salários nas empresas. Segundo seus cálculos, ela atinge cerca de 30% das disparidades salariais, que, por sua vez, representam algo entre 11% e 14% dos salários dos brancos. Embora os autores repitam a lógica dos sociólogos da USP no passado, tentando transplantar os problemas raciais americanos para o Brasil, ainda assim o efeito estimado é bem pequeno: 30% de 14% = 4,2%, na melhor das hipóteses. Talvez se eles tivessem controlado pela qualidade da educação dos brancos e mestiços e negros, eles tivessem chegado à conclusão de que negros e mestiços no Brasil são privilegiados pelo funcionamento do mercado de trabalho. Não sou adepto da hipótese de Gilberto Freyre, mas esses transplantes diretos de versão de racismo americana para cá vão terminar provando que o Brasil não tem problema racial.

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