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Os animais e a arte

Plínio Palhano
Artista plástico

Publicado em: 17/09/2021 03:00 Atualizado em: 16/09/2021 23:36

"A rosa não tem porquê.
Ela floresce porque floresce."

Angelus Silesius

Nós, humanos, somos afeiçoados aos animais, principalmente os domésticos, os mais próximos, que fazem parte da família como um complemento sentimental; mesmo aqueles que visitam os nossos jardins e as matas — que ainda temos — passam essa ideia expressiva de comunhão, sobretudo com os pássaros nativos, que acompanhamos a longo tempo. No nosso pequeno pomar residencial, vem uma excelente variedade de espécies. Numa oportunidade recente, troquei olhares com um gavião; os seus olhos enormes me buscavam curiosos, e me senti orgulhoso porque tinha realizado uma pintura sobre um deles de mesma linhagem...

Talvez se atribui à nossa amizade o aspecto desses seres que materializam uma inocência e uma tremenda humildade, que atrai o sentimento afetivo. Os seus olhos falam numa linguagem única, trocam símbolos com posturas físicas, que só eles falam daquela forma, e nós, humanos, navegamos sobre a aparência amável deles sem questionamentos em palavras. Haja vista o amor dos santos Antônio de Pádua e Francisco de Assis a esses animais. As crianças se parecem com eles e, certamente, por isso, se entendem ainda mais e melhor que nós, adultos, porque é inocência ao encontro da inocência.

Meus pais ofereceram para mim e os irmãos as melhores expectativas ante a natureza. Desde tenra idade, caminho pelas areias das praias, sob os coqueiros e matas que existiam com mais intensidade à época: Porto de Galinhas, Olinda e Itamaracá... Andava feito um indiozinho, tostado pelo sol, quase nu, com toda a liberdade que a bondade de minha mãe permitia. Convivi com bichos e todo tipo deles: pássaros, saguis, cavalos, animais selvagens e seres marinhos em grande quantidade, sobre estes recebendo aulas dos filhos de pescadores, com os quais aprendia a arte de pescar com os utensílios adequados para a prática. Era um medíocre aluno, mas dava para o gasto na alegria de viver. O que lembro, com graça, é que eu corria, com leveza, sobre as pedras naturais marinhas dos arrecifes cheias de algas e ouriços e fisgava muita mariquita — um peixinho vermelho que é encontrado com abundância entre as pedras.

A representação de animais na arte vem desde as ilustrações rupestres, nas quais os artistas representavam a caça de forma mágica, como se fosse uma captura prévia, e, para o autor da pintura, era um gesto real em vias de concretizar o seu objetivo. Nas civilizações antigas, os animais faziam parte da economia e da vida e, por isso, eram comumente representados na arte. Em todas as culturas, o bicho domesticado (ou não) estava presente como algo vivo e fazia parte de toda a beleza de símbolos e formas decorativas.

Em obras de pintores como Velázquez, Picasso, Lucian Freud, Renoir, Chagall e muitos outros, o cão esteve presente no estilo de cada um. Os felinos também são bastante explorados por artistas, com sua forma plástica atraente e tentadora para serem materializados em múltiplas linguagens no âmbito da representação.

Nas minhas pinturas, em várias abordagens, os animais sempre estiveram presentes. Ultimamente, tenho pintado pássaros da nossa região; desde a infância, eles vêm participando da minha existência, como igualmente cães e gatos, inclusive pintei uma série sobre os bois que são abatidos nos matadouros e uma de peixes, que intitulei Mare Nostrum, além de outros quadros avulsos.

Fico magnetizado com os olhos desses seres, que são mui expressivos, vejo uma alegria que, em nós, humanos, quase não existe, porque somos tristes, naturalmente, pela nossa desarmonia. Os animais tidos como irracionais doaram a pureza que encantou todas as civilizações. E, por observar que os pássaros realizam seus ninhos com uma engenharia e arquitetura raras, repetindo o trabalho todos os dias, adicionando cada fio de um matinho selecionado para construir a obra que abrigará seus futuros filhotes, com os seus cantos arrebatadores, fico embevecido. Todos esses animais cumprem uma vontade suprema que os fazem, institivamente, movimentar-se com precisão e harmonia, sem questionar o porquê. Mas nós sabemos que somos os mais predadores da natureza, inventamos tudo o que nos prejudica e ao planeta: além das guerras por motivos torpes e ambiciosos e de toda a parafernália de armadilhas que lançamos uns sobre os outros, somos animais políticos que buscamos acertar, mas que erramos exageradamente.

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