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O zoológico de antanho

Vladimir Souza Carvalho
Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras

Publicado em: 11/09/2021 06:45 Atualizado em:

A galinha ficava na primeira parte do quintal, numa atitude repetida: ia e vinha, apressada, à procura de uma brecha para passar para o outro lado, onde o ninho, em que deixava  cair o ovo, se localizava, na sombra de uns paus arriados na parede. Causava pena a sua aflição. A cerca, bem fechada, não lhe abria o menor espaço. Ela não cansava no ir e vir, sem mamãe permitir sua passagem. O termo que se usava era de estar choca. Daí, galinha choca.

Interessante que fazer ninhada não estava nos planos lá de casa. Nenhuma galinha chocou seus ovos, nem nenhum pinto nasceu. De novidade, apenas um casal de coelhos. Bosco, que sempre foi engenhoso na construção de algo, desde uma tomada na parede à arte de revelar retrato se utilizando de uma caixa com abertura devida onde a luz passava, fez, de madeira, uma casa no quintal para morada dos coelhos. E o casal não perdeu tempo. Uma ninhada de coelhos foi parida para a alegria de todos nós. Digo, minha e dele. O que não poderíamos esperar era por uma forte chuva, da noite para a madrugada, inundou o quintal, e... os filhotes  morreram afogados. De manhã cedo, a tragédia veio à lume. Só o jovem e desditoso casal se salvou.

Na primeira parte do quintal, em certa época, uma dupla de patos marcou presença, fuçando o rego, onde a água do banheiro e da lavandeira passava. Não se misturavam com as poucas galinhas que ali ficavam. Nem tampouco abriam confronto. Se morreram da morte morrida ou da morte matada, na faca de mamãe, para o regalo da fome dos cinco habitantes da casa, é fato que me escapa. Pato nenhum mais foi criado no quintal.     

Na fazenda de vovô Aristides, em Itaporanga, lá pelos idos da década de cinquenta, numa temporada de umas três semanas, vi minhas tias, de manhã cedo, de mamadeira na mão, darem leite a um carneiro. O termo que a ele se referiam era de enjeitado. A mãe não o quis criar, e, elas, então, com o leite, substituíam as tetas maternas. O que era enjeitado, eu não aquilatava.

Desse minúsculo zoológico, o susto, perto do final de 1956. A gata pariu na porta do banheiro. Sem querer, presenciei o parto. Gato por gato, minusculamente expelido, e eu, bestificado, vi depois a mãe a lamber  um por um e a ajeitá-los. Um deles ficou, ganhando o nome de Bolinha. Só muito tempo depois, já de bigode na cara, tive consciência do ato que testemunhara.

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