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Reforma tributária e o carimbador maluco

Paulo Rosenblatt
Procurador do Estado de Pernambuco, professor da Unicap e advogado

Publicado em: 15/07/2021 03:00 Atualizado em: 15/07/2021 05:39

A geração Y (milênio) conheceu os videogames. Jogos eletrônicos, em geral, são programados em fases por dificuldade, como as propostas de reforma tributária do governo federal. A primeira pretende substituir Pis e Cofins pelo Imposto sobre Bens e Serviços e atingiria até livros! Agora é a vez do Imposto de Renda.

O prêmio Nobel de economia Richard Tahler, em Misbehaving – a construção da economia comportamental, nota que a política tributária é pensada por economistas sem um modelo empírico baseado em evidências, e apto a analisar e a prever a reação do ser humano sem formação econômica. Sabe-se lá o que vem à frente pelo ministro que trata tributos como o carimbador maluco.

Atualizar a tabela progressiva do IR é positivo, em princípio. Foi promessa de campanha. A linha de isenção de R$ 1.903,98 passaria para R$ 2.500,00, em 2022. É menos do que o prometido, não recompõe a inflação acumulada e as mudanças nas demais faixas são tímidas. Também não ataca desigualdades e a alíquota máxima nominal continua 27,5%.

O desconto simplificado é limitado, levando milhares à declaração completa e à perda do abatimento padrão de 20%. E engana: quem recebia cerca de R$ 2.500,00 já não pagava IR no simplificado ou recebia restituição na completa. O aumento da carga tributária será para rendas anuais acima de R$ 40 mil (R$ 3 mil mensais). Haverá menos retenção na fonte e o susto ficará para a declaração anual de ajuste. A restituição será substituída por imposto a pagar. Um alívio populista em ano eleitoral a ser pago em 2023.

O governo não renunciará a arrecadação, nem corrigirá injustiças e distorções, como propagado. É falácia dizer que a medida fará com que o contribuinte peça mais nota fiscal porque as despesas dedutíveis são restritas. Deduções regressivas para rendas maiores, ou reduzir o abatimento de despesas com médicos e estudos no exterior sequer foram cogitadas.

Há uma opção por pagamento antecipado de 5% no ganho de capital de bem imóvel. Esse favor aos mais ricos antecipará caixa em ano eleitoral e aumentará a desigualdade. É o oposto do programa de Joe Biden que prevê tributar ganhos de capital no mesmo patamar da renda assalariada, como forma de atingir o 1% mais rico e evitar planejamentos abusivos.

Finalmente, elimina-se a nossa jabuticaba tributária, a isenção sobre lucros e dividendos distribuídos, algo que só existe aqui e na Estônia – refiro-me à isenção, já que desconheço se jabuticabas crescem no Báltico! Propõe tributá-los em 20% na fonte, eliminar deduções com juros sobre o capital próprio e com gratificações por bônus de ações da empresa.

Supostamente ajusta a conta com a redução gradativa de alíquota do Imposto de Renda da pessoa jurídica até 2023, de 25% a 20%, técnica usada em outros países. Porém, mantém alíquotas mais elevadas do que de membros da OCDE, incluídas as contribuições sobre faturamento e folha de salários. E estimula o capital especulativo, que terá alíquota única de 15% sem o atual escalonamento regressivo para os investimentos financeiros, nem diferenciação pelo risco, em detrimento das alíquotas maiores no campo produtivo. Não há estímulo a reinvestimento, nem desestímulo à distribuição disfarçada de lucros ou à pejotização, pois a proposta mantém a isenção para micro e pequenas empresas. O efeito será o inverso.

Para uma equipe econômica dita liberal, não há nada mais antiliberal. É só uma proposta eleitoreira tipo plunt plact zum, que, ao que tudo indica, não vai a lugar algum.

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