Diario de Pernambuco
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Paulina Preta e o seu príncipe

Vladimir Souza Carvalho
Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras

Publicado em: 31/07/2021 03:00 Atualizado em: 31/07/2021 06:01

Eu não sei a história completa, por ter me limitado a ver e ouvir. Não sabia perguntar. Estou certo que, por trás de tudo, como arquiteto da construção, papai se encontrava, plantando a semente, cobrindo-a de água e exaltando seu crescimento, a ponto da mentira se tornar verdadeira aos olhos de Paulina Preta. Hoje, me calco só na desconfiança de papai estar por trás de tudo, o que bem se encaixa na insuperável parcela de humor que desfrutava, não para contar anedotas, mas para protagonizá-las, bom moleque que sempre foi.

Das lembranças de Paulina Preta, a de que trabalhava, ou trabalhou, na casa de dona Rosinha de Antonio Sacristão, onde eu a via na calçada. Baixa, truncada, extrovertida, falando alto, foi o alvo da brincadeira – ou malvadeza -, que, na sua cabeça, ganhou foros de verdade, acreditando na chegada de um príncipe encantado que lhe acenava com a promessa de casamento. O príncipe era militar, natural de Frei Paulo, cujo nome não guardei com precisão, que se deslocaria, a qualquer momento, para Itabaiana, a fim de pedir a sua mão em casamento. E ela engoliu confete direitinho, não só na certeza da sua existência, como confiante que o bem-amado chegaria, não montado em cavalo branco, privilégio só reservado ao príncipe de Branca de Neve, mas de carro de praça. Ouvia as explicações de papai que lhe transmitia as ocupações do bem amado por não ter ainda chegado para levá-la. Não sei como tudo findou.

Vi muito Paulina Preta, à noite, atenta às justificativas de papai, o rosto irradiando felicidade, na espera da chegada, a qualquer momento, do seu príncipe, que, afinal, nunca se concretizou. Pulo vários capítulos, por desconhecer o que neles contém. Atraco na tragédia ocorrida: Paulina Preta morreu no Aracaju, atropelada por uma moto. O corpo ficou no Hospital Cirurgia à espera de parentes, que não apareceram. Serviu para as aulas de Medicina, como falaram. Provavelmente, quando os estudantes tiveram acesso ao seu coração, encontraram nele, também sem vida, a esperança nutrida pela chegada do seu sonhado príncipe. Na caderneta de papai, em meio a tantas, apenas a anotação: Paulina faleceu em 23 de setembro de 1968. A presepada, conto eu, agora, quase sessenta anos depois.

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