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O parto reverso de César

Rodrigo Pellegrino de Azevedo
Advogado

Publicado em: 19/07/2021 03:00 Atualizado em: 19/07/2021 06:23

César, naquele fatídico dia, sobreviveu à tentativa de assassinato, depois das facadas o terem atingido, quase mortalmente. Equivocaram-se Suetônio e Plutarco, escritores célebres de sua biografia. Em seu leito de quase morte, refletiu e imaginou seu renascimento. Salvo pela medicina, viu-se à frente da opção em seguir adiante com seu sonho tirano, ou voltar atrás.

Seu quase assassinato o fez intuir uma oportunidade em seguir com o poder, mas lembrou de Brutus e das traições, quando levado nos braços do próprio Cícero, que aproveitou, naquele momento, a chance de mais uma vez poder influenciar ao sussurrar aos ouvidos de César: “arrependimento César, é o que nos dignifica, não o poder”.

Escondido, foram quase quatro anos de reflexões, vivendo como anônimo na Roma em transe. Recorrentemente, lembrava do grupo de quase vinte Senadores a lhe cercar. Esse fato, o fazia pensar a razão de ter sido tão mal-amado, logo ele, depois de tudo o que sonhou fazer! Para todos, César havia sido assassinado, mas César estava vivo, e refletindo.

Alguns comentam, que ele, até sem aparecer em público, poderia ser escolhido novamente, mas algo o intrigava, e era justamente como Cícero, logo ele, que mais o difamou, o levara nos braços para salvação? César, depois de recuperado, fugiu e pôs-se clandestino. Nessa condição, resolveu fazer o caminho de volta, onde tudo começara: a travessia do Rubicão.

Saiu de Roma pelo Aventino em direção ao Campo de Marte, de lá, ainda olhou para trás e avistou o Capitólio, resolveu seguir pela região da Etrúria, margeando os Apeninos. Na travessia solitária, refez seu caminho quase que da forma inversa, quando da ida para Roma, com apenas uma legião, e, agora, o retorno ao Rubicão, solitário, foi o melhor exercício que pode fazer, depois da facada quase mortal. Histórias contam, que César em seu delírio durante a convalescença, não mais pensava no poder, instalara-se nele, apenas, um sentimento de arrependimento: ter sido tirano. A facada fora sua chance de redenção.

Ao chegar na margem atravessada do Rubicão fitou o outro lado. Lembrou dos momentos de hesitação anteriores ao início de sua tirania. Lembrou que dissera, em Grego “que o dado seja lançado” e não “a sorte está lançada”. Com isso, viu que havia muito mais incerteza no jogo ao qual se lançara. Lembrou que governara pelo ódio e pela espada. Os quatro anos de guerra civil não valeram à pena, a facada lhe alertou. Lembrou das palavras ouvidas no culto a Júpiter, em advertência ao jovem soldado: “... a espada governa, mas a espada mata...e quem faz da sabedoria a lâmina .... colherá apenas o que a mesma lâmina ceifa...”

Cansado e arrependido, César sentou-se à beira do Rubicão e chorou. Pediu a Juno, acolhimento; a Vênus, o amor verdadeiro de seu povo; a Aurora, um novo dia para sua vida arrependida, e a Apolo a cura de sua alma. Naquela situação, a oportunidade que a vida lhe dera em ter voltado ao ponto onde tudo começara, foi mais um motivo de júbilo pessoal. Bendita facada que lhe salvara daquele futuro inglório.

César, então, ergueu a cabeça, despiu-se de suas vestes e pôs-se a nadar contra a correnteza do velho Rubicão. Braçada a braçada, os sulcos d’água deixavam no passado as mortes de seu poder de imperador. Já cansado, do outro lado do Rio, voltou a sentar-se à margem, dessa vez a oposta. Mirou o horizonte do passado e novamente chorou. Percebeu que sua natureza poderia ser transformada, e viu que o sonho de ser um César melhor, teria ocorrido se não tivesse atravessado o Rubicão. Mas ocorre que, depois de tudo o que fez, notou que não tinha nadado no mesmo rio. Como todo ser, havia atravessado o rio “Lete”. César percebeu que já tinha sido ressuscitado por Hades uma vez, e a facada, não poderia ser mais a sua segunda chance. Assim, César sumiu no mundo dos mortos, Cícero o enganara.

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