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Erros da reforma tributária do governo

Mauricio Rands
Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford

Publicado em: 19/07/2021 03:00 Atualizado em: 19/07/2021 06:24

O PL 2.337/2021 foi enviado pelo governo sem maiores cuidados. Eivado de bodes na sala. Pouca simplificação do sistema. Os lucros e dividendos passariam a ser tributados. Alguns alegam que, como a tributação global da renda gerada pelas empresas decorre de uma combinação entre a tributação da empresa e a dos dividendos, a proposta do governo elevaria a carga tributária dos negócios.  A economia com o desconto simplificado é exemplo de injustiça fiscal. Pelo modelo simplificado, o contribuinte hoje pode optar pelo desconto padrão, aquele que dispensa comprovação. Pelo PL, a faixa entre R$ 40 mil e R$ 83 mil (a classe C, segundo o IBGE) não mais poderia optar por ele. Com isso, a Receita Federal prevê arrecadação extra de R$ 10 bi. Ou seja, a classe C perderia R$ 10 bi por ano. Além disso, a redução da alíquota básica do IRPJ atingiria o potencial de incentivos das empresas para programas sociais como os do Fundo da Infância e da Adolescência, o qual pode perder cerca de R$ 100 milhões em 2022.

O relator Celso Sabino (PSDB-PA) alardeia que o seu substitutivo diminuiria a carga fiscal em R$ 30 bilhões por ano. Principalmente ao reduzir a alíquota do IRPJ de 25% para 12,5% (o PL original reduzia-o apenas em 5%). Ocorre que o imposto de renda, por força do art. 159, I, da CF/88, é partilhado com estados e municípios via Fundos de Participação dos Estados e Municípios. Abrir mão de arrecadação do IR significa, portanto, subtrair receita dos entes federados subnacionais. Generosidade com chapéu alheio. Estima-se que estados e municípios perderiam algo como R$ 27 bilhões. Isso prejudicaria a educação e a saúde, que são ofertadas em maior escala por estados e municípios. O desequilíbrio federativo seria perpetuado. O correto seria que a carga tributária fosse reduzida pela diminuição da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), cuja arrecadação é apropriada inteiramente pela União.

O ministro Paulo Guedes ainda não foi capaz de enviar ao Parlamento uma proposta eficiente para a reforma tributária. Resolveu fatiá-la. Primeiro, com o PL 3.887/2020, que visa instituir a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços – CBS em substituição a PIS e COFINS. Ao deslocar a base de arrecadação do faturamento para o valor adicionado, acabando com a cumulatividade, a proposta foi criticada por aumentar a carga para profissionais liberais e outros serviços. Agora, o ministro vem com nova fatia. Limitada ao imposto de renda. E cheia de defeitos. A ponto de que o próprio admitiu ter errado na “dosimetria”.

No último dia 14/7, o LiderxEconomia, sob a coordenação do competente Drayton Nejaim, realizou painel sobre a reforma tributária com Armando Monteiro Neto, Bernardo Appy e Décio Padilha. Houve convergência no diagnóstico e na solução. Os panelistas mostraram que as negociações no Comitê Nacional de Secretários da Fazenda (Comsefaz) estão viabilizando um inédito consenso entre os 27 estados. A simplificação tributária passaria pela substituição dos muitos tributos federais, estaduais e municipais por apenas dois ou três. Uma das possibilidades é a criação de um imposto sobre valor agregado, chamado de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), unificando os atuais IPI, PIS, COFINS, ICMS E ISS. Como proposto pela PEC 45/2019, assinada por Baleia Rossi e que tem Bernardo Appy como um dos formuladores. Ou pela PEC 110/2019, do Senado, originalmente elaborada pelo ex-deputado Luiz Carlos Hauly, que unifica IPI, CSLL, PIS, IOF, COFINS, ICMS, ISS, Salário-Educação e Cide Combustíveis. Também em um IBS. Os panelistas reconheceram os defeitos e o pequeno alcance das duas propostas do governo até agora submetidas ao Congresso.

Melhor do que apenas reformar o imposto de renda seria desonerar o consumo, hoje responsável por 68% da arrecadação tributária nacional. Isso atenuaria a regressividade do sistema, sabido que na tributação do consumo as pessoas de menor renda gastam uma proporção maior de seus rendimentos do que as de maior renda. O governo também faria melhor se reduzisse os encargos da folha de salários, desde que sem atingir salários diretos ou indiretos. Poderia eliminar as incidências do salário-educação, PIS e contribuição para o sistema S, as quais poderiam ter outras fontes que não onerassem a folha. Isso fortaleceria o investimento e a competitividade de setores como o de serviços, que empregam muito. Mais uma vez, o “Posto Ipiranga” desperdiçou uma oportunidade para uma reforma mais ampla do sistema tributário. Poderia aproveitar os consensos do foro dos secretários estaduais da fazenda, bem como as formulações das PEC 45 e 110. Sua reforma fatiada atraiu o repúdio de especialistas e dos setores envolvidos, embora tenha aspectos positivos como a correção da tabela do IRPF (a faixa de isenção passa de R$ 1.903 para R$ 2.500 mensais) e a potencial maior retenção de recursos nas empresas com a diminuição do IRPJ e a taxação da distribuição de dividendos.

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