Diario de Pernambuco
Busca
A argüição e a parede

Vladimir Souza Carvalho
Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras

Publicado em: 12/06/2021 03:00 Atualizado em: 12/06/2021 05:34

No ano de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1962, a primeira série foi repartida em três turmas.  A  A ficou no primeiro pavilhão, do lado direito de quem chegava ao ginásio. A B, no segundo pavilhão, última sala. A minha, a C, em sala anterior a da segunda B, nossa vizinha, portanto. Todas com trinta e dois alunos, divididos de acordo com a primeira letra do nome. Eu, da C,  como último aluno a responder presente na chamada. Privilégio da letra v seguido do l.

Na minha, de inusitado nada ocorreu. Só o trivial. Nada que saísse da rotina normal de uma sala de aula, na qual alunos, oriundos de várias escolas, ali se agrupavam, mercê da letra inicial do nome, e, aos poucos, como abóbora na carroça, iam se posicionando adequadamente. No meu curriculum escolar, a primeira série C marcou um fato que se repetiu por todo o curso ginasial e o clássico: o grande predomínio na turma do elemento feminino. Viva a mulher!

A ocorrência brotou na primeira B. A professora de Matemática designou dia para uma argüição. Todo aluno deveria dizer a fórmula indicada por ela. Não sei que ponto era especificamente. Em Matemática sempre fui um zero à esquerda. O aluno se dirigia à frente de sua mesa, a mestra dava o tópico, e, então, juro que foi dessa forma que me contaram, o discente respondia. Assim se verificou desde o primeiro argüido. Todo mundo acertando.  A nota dez campeando, devida e imediatamente anotada na caderneta. Estudantes danados de bons, deve ter pensada a professora. Um exemplo a ser seguido.

O que ela não contava é de terem os discípulos, se aproveitando da tintura fofa, decorrente das fortes chuvas que batiam no fundo da parede, e nela escrevessem as fórmulas devidas. Era só fitá-la, atrás da mestra, e pronto. Resposta dada, o dez lançado. Então, chegou a vez do estraga prazer, isto é, do Zunga, apelido do aluno. O nome... deixe para lá. Já morreu. Deixai-o descansar. A fórmula foi ditada. O aluno procurou a resposta. Não achou. Pediu a professora para se afastar a fim de ver a parede. A lente olhou para trás. Estavam lá escancaradas todas as fórmulas. De logo, riscou a nota dez de todos. Substituiu por um zero bem grande. A turma não devorou o Zunga porque os olhos não carregavam dentes. Tivessem... Seria uma carnificina.

MAIS NOTÍCIAS DO CANAL