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O Discurso do Século

Alexandre Rands Barros
Economista

Publicado em: 01/05/2021 03:00 Atualizado em: 01/05/2021 06:44

Na quarta-feira passada, Joe Biden proferiu discurso no Congresso Americano em que ressaltou alguns novos valores e compromissos do governo atual. Entre as sinalizações importantes, destacaram-se as ideias de fortalecimento e respeito à democracia, preocupação com a distribuição de renda e a ênfase no papel do governo para a promoção do crescimento econômico. A melhor distribuição de renda viria de garantias de condições mínimas de renda e de um salário mínimo que assegure condições de vida dignas para todos os que trabalham 40 horas semanais, além do acesso mais amplo à educação e saúde. Adicionalmente, ele defendeu políticas de crescimento capazes de gerar os empregos que os Estados Unidos precisam para complementar a base para uma vida digna a todos. Certamente, foi um dos discursos mais progressistas proferidos por um presidente americano, até então. Suas ações nesses 100 primeiros dias já garantiram uma sinalização otimista para o crescimento econômico e o aumento de impostos proposto deve reduzir as desigualdades e permitir maior política social. Ou seja, o discurso está fundado em propostas factíveis.

No livro A Esquerda Hoje, recém-lançado pela Alta Books, defendo que a essência da esquerda é a defesa da democracia, da melhor distribuição de renda e do crescimento econômico. Todas essas aspirações fizeram parte do discurso de Joe Biden. Isso significa que ele pode ser considerado uma pessoa de esquerda?  Seguramente, está à esquerda da realidade americana hoje. Em meio a tantos governos republicanos conservadores, as gestões de Barak Obama e Bill Clinton não foram suficientes para reduzir muito a natureza liberal da sociedade americana. Se considerarmos como de esquerda a defesa dessas três aspirações em relação à situação social existente, a gestão Joe Biden seria de esquerda. Entretanto, mesmo que ele aprove no Congresso e implemente as políticas que propõe, ainda assim, os E.U.A. continuarão um país mais liberal e menos de esquerda do que alguns europeus, como a Alemanha, a Suécia, a Dinamarca e a França. Ou seja, o governo será de esquerda em relação à situação atual dos E.U.A., mas, ainda assim, bem conservador quando se compara a vários governos europeus.

As propostas apresentadas por Joe Biden, enfatizadas no seu discurso, trazem também uma guinada ideológica no que diz respeito ao papel do Estado na economia. Desde o início da década de 1980, prevaleceu nos E.U.A. a ideologia de um Estado pequeno. Isso aumentaria a eficiência econômica e o crescimento mais acelerado do PIB, que levaria à melhoria econômica para todos. No entanto, essa ideologia não entregou resultados. O Estado pequeno não levou a um maior crescimento do PIB (na verdade, conviveu com sua queda), e ainda levou à elevação da concentração de renda. O governo Joe Biden tem derrubado essa ideologia quase de forma tão radical como foi a queda do muro de Berlim. Mas como mostrei no livro A Esquerda Hoje, a promoção dos seus três ideais não requer aumento da participação do Estado na economia. Pelo efeito demonstração, o crescimento do tamanho dos governos pode voltar a ser um risco para todo o mundo. O governo não deve crescer acima do que é necessário para entregar os três ideais da esquerda. Se gerarem ineficiência com gigantismo, os democratas poderão pagar um preço elevado no futuro.

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