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O Oscar e as feridas expostas dos Estados Unidos

Thiago Modenesi
Historiador, Pedagogo, Doutor em Educação, Professor permanente do Mestrado em Gestão Pública para o Desenvolvimento do Nordeste da UFPE

Publicado em: 28/04/2021 03:00 Atualizado em: 28/04/2021 05:32

A festa do Oscar, uma celebração tão tradicional e requintada, amargou nesse último domingo (25 de abril) sua pior audiência, reflexo do momento pandêmico que vivemos, do desgaste que o evento acumula há certo tempo e de uma opção pouco inteligente para o evento, em que se reuniram presencialmente vários artistas e diretores, a maioria absoluta sem máscara e distanciamento social adequado, apresentando cenas ao público em que era claro o desconforto e mesmo medo de alguns deles, não foi à toa a ausência do vencedor do prêmio de melhor ator, Anthony Hopkins, idoso e possuidor de comorbidades.

Mas, mesmo com os cinemas fechados ou com público limitado, o aumento da audiência e, consequentemente, da quantidade filmes indicados que foram exibidos apenas nos serviços de streaming, é possível registrar uma marca da cerimônia.

O Oscar recentemente passou a gostar de ter entre os indicados filmes contestadores, que mostram as chagas e contradições dos Estados Unidos, seu racismo estrutural, machismo, seu amor exagerado ao lucro e a exploração dos trabalhadores em detrimento das relações humanas, essa marca se faz presente desde meados dos anos 90 do século 20 e vem ganhando força a cada nova cerimônia, em 2021 chegou ao ápice.

Aqui foram apresentados, apenas para ficarmos na categoria melhor filme, belos exemplos da nova tendência, todos eles dialogam com ela em alguma proporção. Começando por Minari, um relato da dificuldade das adaptações culturais, sociais e emocionais dos imigrantes pelo mundo, esses especificamente em solo estadunidense, no estado do Arkansas. Seguido de O Som do Silêncio, que nos apresenta toda a dor de uma parte da população que sofre com estereótipos e preconceitos frente as suas deficiências, na precariedade de ações e políticas frente a essas, mas também na dificuldade de serem aceitas, respeitadas e tratadas como parte importante e cada vez mais expressiva do mundo que nos cerca.

A dor perante as mudanças que sofremos, aqui representada pelo envelhecimento e a perda gradual de sanidade, se faz presente em Meu Pai, outra representação de sofrimento e angústia, que dialoga tão bem com o atual momento de pandemia, uma obra que desgasta quem a assiste, mas também emociona e toca.

A desilusão com o “sonho americano” está retratada em todos os demais indicados. Mank, por exemplo, o faz a partir da crítica a ostentação e constatação dos desencantos da era de ouro de Hollywood, com várias tiradas politizadas sobre as opressões ali perpetradas e a luta de classes sempre presente.  Bela Vingança é um deleite narrativo, um filme que trata do contra-ataque por parte das mulheres contra toda violência masculina que marca a estrutura das relações nos EUA.

Os 7 de Chicago e Judas e o Messias Negro mostram para o mundo do que o FBI e os Estados Unidos são capazes para manter o status quo, de como se opera a justiça a favor das elites no país e a forma que se desmonta qualquer possibilidade de oposição e organização das minorias com a mão forte do capitalismo beligerante ali instaurado. Ilude-se quem pensa que isso é feito apenas com as nações estrangeiras, em seu próprio território a nação vive uma guerra histórica entre as classes sociais, das elites brancas contra negros e latinos, marcas indeléveis de um passado vergonhoso, mas que não se resolveu e superou, que o diga George Floyd e tantos outros que tombaram em pleno século XXI.

E o Oscar (e a maioria das outras grandes premiações para melhor filme desse ano também) foi para Nomadland, um retrato do triste e desigual país que se construiu na parte norte de nosso continente, marcado por mão de obra barata, nômades que vagam em busca de empregos precários e sem direitos trabalhistas ou acesso à saúde pública, que cruzam as estradas em busca de um chuveiro para tomar banho, um lugar para estacionar sua van e um emprego temporário por alguns dias (!). Um claro sintoma desse momento é a forma como a Amazon contrata os funcionários para seus centros de distribuição, algo que aparece logo no comecinho do filme, modelo que vai aos poucos levando a outras partes do mundo, em busca de mão de obra que para as elites é descartável, apenas números após a vírgula em suas planilhas de lucro.

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