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O Campo das Princesas é um lugar sagrado para os rastafáris

João Alberto Martins Sobral
Jornalista

Publicado em: 23/04/2021 03:00 Atualizado em: 23/04/2021 06:10

Hailé Selassié, que foi imperador da Etiópia, entre 1930 e 1974, se chamava Ras Tafari quando era rei da Etiópia, até ser proclamado imperador pela Igreja Etíope Ortodoxa Cristã. Acabou sendo considerado um deus pelos adeptos da religião rastafári, surgida na Jamaica nos anos 1930 e que é seguida atualmente por cerca de um milhão de pessoas no mundo Os rastafáris também o chamam de H.I.M., que significa “Sua Majestade Imperial” (do inglês: His Imperial Majesty). tinha muitos títulos: “Reis dos Reis”, “O Eleito de Deus” e “O Leão de Judá”. Até hoje é considerado um símbolo religioso. Hailé Selassié nunca se afirmou como Deus encarnado, e muitos seguidores do Rastafári o consideram apenas uma pessoa iluminada, que nasceu para ensinar regras e compartilhar uma ideologia. Foi eternizado em uma música que Bob Marley lançou em 1976,  War, baseada no discurso do Rei da Etiópia na Liga das Nações em 1936.

No dia 12 de dezembro de 1960, quando tinha 66 anos, chegou ao Recife, iniciando visita ao Brasil. Desceu às 16h50, a bordo de um DC-6 da Força Aérea Etíope, que chamava atenção por ter na fuselagem dois enormes leões amarelos, pintados em cada lado da aeronave, à altura da cabine de comando. Foi recebido por Cid Sampaio, governador de Pernambuco.Usando roupas civis, estava em companhia da neta, a princesa Aida, e uma comitiva de 25 pessoas. Eles pegaram o Lincoln do governo do estado e seguiram pela Avenida Boa Viagem. Devido à chuva fina que caia, a capota não foi arriada.

Ao chegar ao Palácio do Campo das Princesas, revelou estar muito cansado e pediu o cancelamento do banquete de 70 talheres que seria oferecido a ele. Conversou três minutos com os jornalistas falando em francês. Houve apenas um jantar íntimo e o imperador se recolheu cedo ao apartamento no palácio, onde dormiu, com um rigoroso esquema de segurança do lado de fora.

No dia seguinte, embarcou  para Brasília, onde foi recebido pelo presidente Juscelino Kubitschek, em fim de mandato. A recém-inaugurada capital federal era ainda um canteiro de obras, não se tinha muito o que ser mostrado. A programação de Selassié, foi uma visita ao Congresso Nacional e ao STF, e um jantar no Palácio da Alvorada. Foi quando soube do golpe contra ele acontecido em Adis Abeba. Ele decidiu retornar ao seu país. Mandou trocar US$ 100 mil no Citibank, mas descobriu que sua conta tinha sido bloqueada. O presidente JK avalizou o saque.

Às 5h15 do dia seguinte, seu avião voltou a pousar no Recife, onde tomou café com o governador Cid Sampaio e seu ajudante de ordens, o major José Inácio dos Prazeres, no Cassino dos Oficiais da Base Aérea. Ele reverteu o quadro de golpe em apenas dois dias, com a morte dos oficiais golpistas, e um castigo exemplar no próprio filho Merede Azimach-Asfa Wessen Hailé Selassié, que apoiou os revoltosos. Ordenou que fosse chicoteado em praça pública.

O imperador sofreu outro golpe, em 1974, quando estava com 82 anos, sendo, na ocasião, o mais antigo monarca do mundo e chefiava o mais velho império da Terra – com 3.000 anos. Foi destituído e preso. Ele faleceu em 27 de agosto de 1975, um ano depois de perder o poder, quando vivia numa ala do palácio, com pouca mobília e rigorosamente vigiado. Os militares já dominavam inteiramente o poder. Não tardaria muito até que se estabelecesse a ditadura de Mengistu Hailé Miriam.

Para os que professam a fé rastafári, o palácio do Campo das Princesas é um lugar sagrado, por ter recebido Hailé Selassié, que se tornou, sem que nunca tivesse consentido, a presença terrena de Jah, adorado pelos rastafáris, tendo Bob Marley como um de seus mais ardorosos fiéis.

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