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Mulheres ainda são as mais prejudicadas pelo excesso de trabalho doméstico

Glauce Medeiros
Secretária da Mulher do Recife

Publicado em: 29/04/2021 03:00 Atualizado em: 29/04/2021 00:09

A lista de afazeres domésticos diários assumidos por mulheres de variadas culturas ao redor do planeta parece interminável. Planejar o dia, tomar decisões, limpar a casa, cozinhar, lavar roupa, cuidar de crianças e idosos são como um ciclo sem fim, sempre prestes a recomeçar. O excesso de trabalho dentro de casa adoece fisicamente e mentalmente milhares de mulheres da pior forma possível. Isso porque, além de ser naturalizado por estar sob a responsabilidade de mulheres, ele também é invisibilizado, pois está escondido dentro dos lares.

Quando a sobrecarga de tarefas não é dividida com outros membros da família, o trabalho doméstico tira da mulher o direito aos cuidados consigo mesma, à formação intelectual, à realização profissional e ao lazer. Como não é remunerado, o trabalho doméstico também impacta diretamente na independência financeira da mulher. E mais: a experiência de atendimento de mulheres em situação de violência doméstica ou sexista mostra que, sem renda, muitas mulheres não conseguem sair do ciclo de violência doméstica.

Um relatório da Oxfam - organização humanitária internacional reconhecida pela luta contra a desigualdade - divulgado no início do ano passado, aponta que, por conta das responsabilidades domésticas, 42% das mulheres em idade ativa estão fora do mercado de trabalho. Quando fazemos o recorte do homem, o percentual cai para 6%. O dado revela uma face pouco debatida, porém grave, da desigualdade de gênero.

Importante perceber que essa desigualdade é marcada na vida das mulheres desde muito cedo. Quanto mais trabalho doméstico uma menina assume em casa, diz a Oxfam, menor seu índice de escolaridade. Uma outra pesquisa, desta vez da Plan International, revela que 65% das meninas são responsáveis por limpar a própria casa, enquanto somente 11% dos meninos têm a mesma obrigação. Os números falam por si e apontam consequências cruéis no futuro

O estudo Outras Formas de Trabalho 2018, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que as mulheres brasileiras trabalham quase o dobro de horas que os homens nos afazeres domésticos e cuidados de parentes. Se a mulher dedica 21,3 horas semanais nesse tipo de serviço, o homem fica com apenas 10,9 horas. O fato de mulheres ocuparem espaços de trabalho assalariado ao longo dos anos e, consequentemente, passarem a contribuir financeiramente em casa, não garantiu uma nova divisão sexual do trabalho no espaço doméstico. Quando a pesquisa do IBGE une o trabalho doméstico e cuidado com parentes com a jornada fora de casa, a mulher ainda sai em desvantagem, pois trabalha 3,1 horas a mais que os homens nas mesmas condições.

Enquanto mulheres responsáveis pelos afazeres da casa seguem empobrecidas e sem salário - apesar de trabalharem muito todos os dias - homens se beneficiam dessa mão de obra “gratuita” e podem se dedicar aos estudos, ao trabalho e ao lazer. Sendo assim, têm mais chances de alcançarem a independência financeira.

O capitalismo é o grande beneficiado da exploração do trabalho doméstico da mulher. Sem essa força tarefa mobilizada nos bastidores dos lares para cozinhar, lavar roupa e cuidar de idosos e crianças o trabalhador não poderia sair de casa para cumprir sua jornada todos os dias.

O debate sobre as desigualdades de gênero e econômica embutidas no trabalho doméstico não remunerado é um caminho a ser trilhado para mudar essa realidade injusta para muitas meninas e mulheres. Por isso, precisa ser levado para as escolas desde cedo. Mas, urgente mesmo - e isso está nas mãos de todas e todos - é a redistribuição do trabalho doméstico dentro das famílias. Pela saúde mental e física de nossas filhas, companheiras, irmãs e mães. Por mais justiça social e igualdade de direitos entre mulheres e homens.

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