Desde que o mundo é mundo, a inveja mata. Na Bíblia, Caim e Abel não me deixam mentir. Corrosiva, a inveja inadmite a felicidade alheia e surge para o ganancioso em forma de alerta sobre as qualidades do outro. Com um olhar atento, ainda quando dissimulado, o invejoso liquida pouco a pouco a própria bílis, enquanto verifica o sucesso profissional, amoroso ou financeiro do alvo.
Da inveja para a promoção da intriga é um passo. Em geral, começa por uma afirmação tipo “soube que beltrano ganhou dinheiro via caixa dois” ou “aquela fulaninha se acha bonita, mas a última plástica foi um desastre”. Solto o rastilho de pólvora, tudo que o invejoso deseja é a parceria de um fofoqueiro para rapidinho repassar a falsa informação. Quanto maior o círculo de pessoas contaminadas, mais contentamento aparente do ambicioso.
Freud explica: pessoas felizes costumam avaliar os outros de forma positiva. Os ambiciosos projetam nos outros a sua própria infelicidade. Quando Pedro fala mal de Paulo, sei mais de Pedro do que de Paulo. Como ninguém consegue ser espelho de si próprio, notadamente se estiver entorpecido pela inveja, o infeliz não possui autocontenção. E se descobre nu, na sua infelicidade ou preconceito, diante das pessoas.
Porque depositada no inconsciente, a inveja não conhece classe social ou profissão imunes. É célebre na história da filosofia o ciúme intelectual do alemão Arthur Schopenhauer diante Hegel, no início do século dezenove. O segundo era reconhecidamente brilhante e professor catedrático na Universidade de Berlim. As palestras que ministrava eram repletas de alunos. Ou outro, professor convidado para algumas aulas, não conseguia atrair uma dezena de ouvintes.
Schopenhauer passou a vida criticando as teses filosóficas de Hegel, que não dava a mínima bola para o opositor. O livro Como vencer um debate sem precisar ter razão, trabalho inconcluso do primeiro, que ficou esquecido durante muito tempo (tem edição em português), é tido por analistas como uma provocação contra Hegel, a quem acusa - sem citar o nome - de argumentador malicioso e falso.
A admiração, ao contrário, é fascínio. Próprio de pessoas em paz com a vida. Sentimento positivo e generoso de quem reconhece qualidades no outro. Constrói amizades e se eterniza na memória. Mas é preciso cuidado. A admiração esparramada e insincera vira bajulação, de idêntica nocividade à da inveja, com os polos mentais trocados.