Diario de Pernambuco
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A agregada Conrada

Vladimir Souza Carvalho
Magistrado

Publicado em: 17/04/2021 03:00 Atualizado em: 17/04/2021 06:51

Quando vovô Aristides se mudou, de Macambira para Itabaiana, Conrada já estava agregada à casa de tia Madrinha. As duas seguiram o mesmo passo, ao lado de minha bisavó, Maria Francisco do Espírito Santo, se instalando na Rua das Flores. Com a morte da matriarca, as duas continuaram morando na mesma casa, ambas fazendo renda e fumando cachimbo artesanal, desses vendidos em feira, a parte, que recebe o fumo, de barro, e o cabo de madeira. Faziam renda com o cachimbo de lado. De quando em quando, uma baforada.

De Conrada, sei que é de Macambira, porque ouvi de mamãe, onde tinha família, morando na casa de tia Madrinha desde menina, com ela vindo para Itabaiana. Só. Nem o sobrenome nunca soube. Do que me lembro, de vestidos longos, mangas compridas, azul claro de preferência, e o silêncio que lhe acompanhava. Participava das visitas que tia Madrinha recebia, - eu, mesmo, diversas vezes acompanhava papai em muitas delas, à noite -, sempre calada, sentada, braços estendidos nas pernas, só ouvindo, sem se intrometer em nenhuma conversa.

A gente, menino ainda, comandado por Alba, morria de rir com a maneira como Conrada, ao almoçar, se utilizava da colher para, do osso, aproveitar a carne, cenário que, para despertar risos na meninada – eu, Bosco e Alba -, se aliava sua boca murcha, queixo comprido, na movimentação que o rosto expressava na mastigação.  Alba comentava, a gente se papocava de rir, mas tudo fora dos limites da casa de tia Madrinha, para as duas não perceberem, afinal, Conrada era como se fosse, também, uma tia-avó.

Na caderneta de papai, está a anotação: Faleceu Conrada no dia 26 de setembro de 1965. Eu tinha quinze anos, cursava o último ano do ginásio em Itabaiana. Do fato guardo as alusões de papai ao fato de Conrada estar doente. Da notícia do óbito e do sepultamento, nada a memória conservou. Final do mês, talvez tivesse algum teste no dia que não podia faltar. Não sei, nem se Conrada assinava o nome. De retrato seu, nunca vi, como não sei onde foi sepultada. De notório o agregar-se a uma família, nela se criar e nela morrer, costume que, hoje, não mais existe, e, se existe, é algo bem raro, digna de registro, como o que ora eu faço.

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