Diario de Pernambuco
Busca
A criança e o adolescente como sujeitos de direitos humanos

Rosemary Souto Maior de Almeida
Promotora de Justiça do MPPE desde 1990 e na Capital desde 2012, Mestra em Direitos Humanos e Docente Aposentada da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Paraíba

Publicado em: 24/03/2021 03:00 Atualizado em: 24/03/2021 05:40

A criança no mundo foi durante muito tempo objeto da cultura e do poder do adulto. Crianças e jovens morriam e simplesmente eram substituídos por outros na cadeia hereditária. Não era incomum famílias contratarem pessoas para cuidar desses seres, que na visão antiga eram seres de segunda categoria. Não vale a pena nem pontuar o que acontecia com as crianças do sexo feminino. Um mundo de horrores era vivenciado por essas ternas e sublimes crianças. Assim como as mulheres alijadas de direitos, vivem sob o ímpeto de sua própria sorte.

Alguns poucos estudiosos irresignados com esse tratamento, como é o caso de Ariès1978) e outros, tais como, (Piloti, RizziniI, 1995), e Del Priori, 2013) e outros. Eles estudaram os avanços para o desenvolvimento da infância, que recebeu um forte aliado em 1959, com a Declaração dos Direitos da Criança capitaneada pela ONU e, como pacto de intenções, proporcionou um avanço considerável nessa área, na Europa e nos Estados Unidos, quando surgiram os primeiros Diplomas Legais de proteção infanto-juvenil. Mas mesmo muitos países signatários desse pacto, continuavam com atrocidades, que perduram até hoje: casamentos de crianças com adultos de quarenta anos de idade. A Convenção Interamericana de Proteção aos Direitos das Crianças somente veio a tona em 1989, o que atrasou muitos países em acompanhar os Princípios de Proteção tais como: o superior interesse da criança, o respeito à dignidade sexual e o direito de ser ouvida (FURNIS, 1993).

Na verdade, no Brasil, um dos ícones desta matéria, professora Maria Amélia Azevedo, através de suas lições, compromisso e obras publicadas, como responsável pelo Laboratório da Criança (LACRI-USP), dedicou toda sua docência a dar curso de especialização no Brasil inteiro. Nós e outros colegas do MPPE tivemos a oportunidade de não aceitar mais os maus-tratos, como uma das bandeiras dela. No contexto intrafamiliar é o maior cenário de horrores para crianças vítimas e testemunhas de inúmeros crimes hediondos, inclusive o homicídio, e, mais recentemente o feminícidio (consumado e tentado). Uma das primeiras obras em 6º edição é obrigatório citar: Infância e Violência Doméstica: fronteiras do conhecimento, 1993).

A Constituição Federal de 05/10/1988 traz em seu bojo princípios e mecanismos para garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes, estabelecendo como cláusulas pétreas a Proteção Integral e a Prioridade Absoluta (art. 227, CF). Por outro lado, a Lei n.º8069/90, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente, um eficaz meio legal de proteger integralmente as vítimas crianças (de 0 a 11 anos, 11 meses e 29 dias) e os adolescentes de 12 anos a 17.anos, 11 meses e 29 dias). Distinção que não é encontrada em outros Ordenamentos Jurídicos.

A revelação dos fatos que fora vítima ou testemunha foi implantado no Brasil em 2003 por meio do juiz do Rio Grande do Sul Daltoé Cesar, que é identificado como Depoimento Sem Dano ou Acolhedor, como ficou conhecido aqui em Pernambuco; o certo é que a criança passou a ser sujeito de direitos e sua verbalização obtida com uma metodologia adequada e cercada de respeito e dignidade. Em pouco tempo o instituto foi acolhido pelas unidades da Federação, inclusive, onde Pernambuco se destaca pela criação de duas Varas Especializadas de crimes contra crianças e adolescentes. A iniciativa foi tão exitosa que o Brasil em 2017 teve o marco legal da escuta especial por meio da Lei 13.432/2017, que só entrou em vigência em 04/04/2018.

O dano físico, emocional e psicológico das crianças e adolescentes, que são vítimas de estupro de vulnerável contou com mais uma Lei conhecida como Joana Maranhão, Lei n.º12.650, de 17/05/2012, que interrompe a prescrição e só conta ao completar 18 (dezoito) anos. Os aspectos inter e multidisciplinares são imprescindíveis. O que nós operadores jurídicos fazemos em relação ao tema? Os currículos das Faculdades de Direito no Brasil não contam com disciplina obrigatória nem eletiva. Na Itália, após a implantação do Código Vermelho de proteção às vítimas mulheres e crianças, foi exigido que todos os envolvidos desde o atendente de enfermagem ao Magistrado Judicial, todos sem exceção, estudem e façam no mínimo curso de especialização na área. Uma realidade muito distante no Brasil, ainda.

MAIS NOTÍCIAS DO CANAL